Depois de cortar várias gargantas em
Sweeney Todd (2007), ele imaginou que poderia decepar algumas cabeças. Qualquer que tenha sido sua inspiração, o ritmo do filme é um mix de lentidão, com momentos de bastante ação. Após uma breve passagem pela sua infância, vemos uma Alice na adolescência, prestes a ser “convidada” a noivar com um
dandy prá lá de esquisito – o que ela, de cara, rechaça. Daí, sua escapada, a queda no buraco e sua “viagem”. Sempre com seu viés lúgubre, não é parecido com nenhuma versão de Alice, muito menos também daquela da mesma Disney, de 1951 (que fracassou à época). Alice, de Burton, não tem muita personalidade - parece um rapaz e não uma garota, no meio de uma série de personagens engraçados. Em alguns momentos , parece que ela deixou o pulso firme que tinha na história original “lá em cima”, antes de cair no buraco do coelho da imaginação do diretor. No original de Carroll, era evidente que ela viajava no mundo de maravilhas, ou seja, ela era a própria dona de sua imaginação. Neste filme, ela serve na maior parte do tempo como elo para os demais personagens, inclusive o Chapeleiro Louco, interpretado por Johnny Depp.
Todo o testamento lisérgico de Carroll - o nonsene e até os aspectos delicados e pensamentos não tão puros que teriam inspirado o trabalho do escritor – não é mostrado com tanta fluidez pela roteirista Linda Woolverton que buscou, ao que parece, dar um fundo psicológico na história pregressa do personagem. Embora a narrativa não flua tanto, Alice possui momentos em que o delírio do diretor faz o filme voar sustentando-o até o fim. As cores são vivas, embora alguns tons metálicos remetam a Sweeney Todd. Há lguns momentos fúnebres na jornada de Alice, quando ela, rumo ao castelo, tem que pisar em cabeças flutuantes no lago, como se fossem de pedra.
A RAinha Vermelha é uma bruxa. Inspirada claramente em Bette Davis – como Elizabeth I-, reconfigurada como uma boneca cabeçuda. Helena Bonham Carter brilha.Conseguimos ver em sua rainha megera uma menina mimada, porém cruel, e uma mulher ferida e mal amada. Ela é a melhor coisa do filme. O seu bordão “off with his head” que brada a sua guarda toda vez que se acha contrariada ou traída ficará marcado por muito tempo. O filme ainda conta com Crispin Glover, o valete Stayne, e com Anne Hathaway, como a Rainha Branca – essa um pouco exagerada. Mas há mais, incluindo Timothy Spall, Alan Rickman e Imelda Stanton.
Tim Burton sempre se fixa nos detalhes. Quem não percebeu o coração perfeitamente desenhado na boca da Rainha de Copas, por exemplo? Por outro lado, enquanto procurou ser perfeccionista nisso, deixou um pouco de lado algumas outras situações. A cena de batalha não é tão empolgante. Talvez porque no original, nunca tenha existido.
Johnny Depp está bem e a cena do chá é engraçada, embora ache que a caracterização de seu Chapeleiro Louco esteja exagerada. Parece uma máscara kabuki ou o Joker, de Heath Ledger.
No fundo, acho que a heroína de Tim Burton tem o mundo de maravilhas em suas costas, e a atriz Wasikowska, que é humana, fica deslocada no meio a tantas imagens geradas digitalmente. A história não é impossível de ser transposta para as telas. A versão do checo Jan Svankmajer, de 1988, soube dosar bem realidade e fantasia. Um pouco injustiçado nas criticas atuais, é difícil de saber o porquê desta Alice não ter empolgado como deveria. Talvez o próprio Burton não estivesse tão engajado como em suas obras anteriores. De qualquer forma, o filme é bonito, e me agradou particularmente.
2010 – EUA - 108 min. – Colorido – FANTASIA
TIM BURTON.
LINDA WOOLVERTON.
DARIUSZ WOLSKI.
CHRIS LEBENZON.
DANNY ELFMAN.
RICHARD D. ZANUCK, distribuído pela WALT DISNEY PICTURES.
(Alice), ANNE HATHAWAY (Rainha Branca), HELENA BONHAM CARTER (Rainha Vermelha), CRISPIN GLOVER (Stayne), MATT LUCAS (Tweedledee/Tweedledum), ALAN RICKMAN (Absolem, a Lagarta), TIMOTHY SPALL (Bayard) e IMELDA STAUNTON (Flor).