domingo, 14 de dezembro de 2008

FEITIÇO DA LUA

“Porque os homens perseguem as mulheres?”


Em "Feitiço da Lua", Ronny Cammareri (Nicholas Cage) ergue Loretta Castorini (Cher) com tamanha empolgação que quase a arremessa por cima do ombro. “Aonde você está me levando?”, grita ela. “Para a cama!”, responde ele. Não para dormir, mas para cama. Há um leve toque de seriedade nessa expressão, o bastante para Loretta deixar a cabeça cair em total entrega. Esse sublime abandono dos protagonistas faz parte da magia da comédia romântica de Norman Jewison, de 1987, mas também depende da verdade explícita em palavras simples. Quando Rose Castorini (Olympia Dukakis), mãe de Loretta, descobre que o marido Cosmo (Vincent Gardênia) a engana, pergunta a Johnny Cammareri (Danny Aiello), noivo da filha, por que os homens agem assim. Ele responde que talvez temam a morte. Tarde da noite, quando Cosmo entra sorrateiro, ela o surpreende na sala: "Eu só queria que você soubesse que independentemente do que faça, ainda vai morrer! Como todo mundo!”. Ele a olha com a expressão de um homem há muito tempo casado com aquela mulher e retruca: "Obrigado, Rose”.

Feitiço da lua é uma comédia romântica baseada em abandono e verdade emocional. Não satisfeita com uma história de amor, inclui outras cinco ou seis, dependendo do jeito que se conta, e admitindo-se que alguns personagens se envolvem em mais de uma. O filme se passa num Brooklyn que jamais existiu, onde a lua cheia faz a noite parecer dia e enlouquece as pessoas de amore, quando a seus olhos parece uma grande pizza.

A trilha sonora divide-se igualmente entre La Boheme e Dean Martin, e os sentimentos de Ronny Cammareri, quando conta a Loretta por que odeia o irmão Johnny, se assemelham aos de um herói de ópera, maiores e mais dramáticos que a vida. Ele narra que certo dia Johnny o distraiu na padaria e com isso Ronny prendeu a mão no cortador de pão. Como conseqüência, a namorada o largou. Segurando no ar a mão de madeira e apontando-a dramático, grita: “Quero minha mão! Quero minha noiva! Johnny tem mão! Johnny tem noiva!”.

Na verdade, Loretta, a futura esposa de Johnny, fora à padaria tentar persuadir Ronny a comparecer ao casamento. Mas depois que ele a leva para a cama tudo muda, e Johnny (Danny Aiello), que esta na Sicília junto ao leito de morte da mãe, não sabe o choque que o espera quando regressar ao Brooklyn.

Em uma carreira com personagens tolos, Nicolas Cage transformou seu Ronny Cammareri no personagem de sua carreira. Quem mais conseguiria mostrar tamanho desespero na fala em que declara seu amor?: "O amor não melhora as coisas. Arruína tudo. Parte nosso coração. Faz uma desordem geral. Nós não estamos aqui para fazer tudo perfeito. Os flocos de neve são perfeitos. As estrelas são perfeitas. Nós não. Nós não! Estamos aqui para nos destruir, para partir nossos corações, amar as pessoas erradas e morrer”. E depois que ela ensaia movimentos de resistência, ele conclui: “Agora quero que você suba comigo e vá para a minha cama!”. O desempenho era digno de um Oscar.

Cher conquistou o prêmio de Melhor Atriz da Academia como Loretta. Houve ainda um Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante para Olympia Dukakis, como Rose, e de melhor roteiro para John Patrick Shanley, além de indicações para melhor filme, melhor diretor e para Vincent Gardenia por sua interpretação de Cosmo. Jewison reuniu um grande elenco, impecavelmente escolhido a partir das personalidades dos atores que recebem igualmente cenas e falas criativas, de modo que, no fim, um grande clímax emocional envolve tantas pessoas que precisa ser realizado em volta da mesa da cozinha.

Ronny e Loretta formam um casal de trinta e poucos anos que representa, neste filme, a versão do amor jovem; mas, também, há o amor de dois casais mais velhos. A tia de Loretta, de nome Rita (Julie Bovasso), e seu marido, Raymond (Louis Guss), têm um momento de ternura comovente quando ele se põe diante da janela para admirar a lua cheia e a esposa lhe diz: "Você, debaixo dessa luz e com essa expressão no rosto, esta parecendo um rapaz de 25 anos”. E apesar de tudo, Rose e Cosmo também se amam - apesar de Mona (Anita Gillette), a namorada secreta a quem Cosmo relata, orgulhoso, sua conversa fiada de encanador para os clientes: “É cano de cobre, o único que eu uso. Custa dinheiro. Custa dinheiro porque poupa dinheiro”. Ela escuta, encantada: “E depois, o que dizem?”, pergunta.

A partir do roteiro original e inspirado de Shanley, Jewison demonstra total maestria ao narrar histórias paralelas de seu grande elenco. Uma das melhores seqüências ocorre na noite em que Ronny e Loretta vão à ópera - Cosmo e Mona também estão lá. Naquela noite, Rose janta sozinha no restaurante italiano da esquina e vê uma jovem arremessar um copo de água no rosto de um homem em de meia-idade e depois ir embora. Rose convida o homem para jantar a sua mesa. Ele é um professor chamado Perry, interpretado por John Mahoney, num desempenho perfeito de um homem que sabe que é inútil caçar suas jovens alunas, mas não sabe o que mais pode fazer. Conversam sobre a vida e ele leva Rose para casa, ao luar; há uma possibilidade clara de florescer amor entre eles, se não neste universo, talvez em outro. Mas ela diz: “Não posso ir para casa com você, porque sei quem eu sou”. E sabemos o que ela quer dizer: que tem lar, marido, família, identidade e não e carente como ele.

Grande parte do sucesso de Jewison advém do controle do tom. Em nenhum momento o filme é vulgar, mesmo quando ameaça sê-lo, mesmo quando realça o exibicionismo do personagem de Cage. Um suave toque agridoce e uma surpreendente quantidade de diálogos sobre a morte imprimem uma característica pungente às vidas e aos desejos dos personagens mais velhos. O foco emocional do filme concentra-se nos dois casais mais velhos (quatro, se contarmos com Rose e Perry e Cosmo e Mona), que, sob uma luz adequada, ou mesmo sem isso, ainda sentem a paixão que sentiam aos 25 anos.

A direção de fotografia de David Watkin banha freqüentemente os personagens com a luz fria da lua cheia e, por um momento, o sublime os domina; afora isso, Watkin utiliza quentes cores domésticas para criar um ambiente real. O lar dos Castorini - com os imponentes móveis escuros do quarto e as pilhas de mantas, os retratos da família pendurados na parede; a sala de jantar sem uso; a cozinha, palco da família - torna-se tão familiar para nós que há um impacto surpreendente na última cena, quando a câmera simplesmente recua, percorrendo os outros aposentos.

Norman Jewison, canadense nascido em 1926, é um artesão, igualmente à vontade em diversos gêneros, tais como os musicais "Um Violinista no Telhado" (71) e "Jesus Cristo Superstar" (73), comédias e filmes sobre problemas sociais. Todos seus filmes de Jewison obedecem à tendência predominante em Hollywood: ele gosta de trabalhar com estrelas, seus valores de produção são impecáveis e, no entanto, ele raramente parece se inspirar apenas nos resultados de bilheteria. Seu controle de qualidade é extremamente elevado – é o caso também de "Feitiço da Lua".

Ao assistir a esse filme pela segunda vez, ele me surpreendeu com sua sutileza, apesar de todo o barulho e toda a emoção. Surpreendeu-me com a forma de tributo apaixonada que dedica a seus personagens, recusando-se a limitar-lhes as personalidades a simples traços cômicos. O que acontece entre Rose e Perry é mostrado em nuances; eles não se limitam a serem "um velho desprezível e uma dona de casa solitária", mas sim abertos à beleza e ao mistério da vida. O título remete-nos à teoria de que a lua cheia pode tornar as pessoas selvagemente românticas, fazê-las agirem de forma imprevisível, maluca, porém não menos espetacular. O resultado faz-nos rir e também sentir-nos mais disponíveis a impulsos melhores.




"O Feitiço da Lua" (Moonstruck)
1987 – EUA – 102 min. – Colorido – COMÉDIA
Direção: NORMAN JEWISON. Roteiro: JOHN PATRICK SHANLEY . Fotografia: DAVID WATKIN. Montagem: LOU LOMBARDO. Música: DICK HYMAN. Produção: PATRICK PALMER E NORMAN JEWISON, distribuído pela METRO GOLDWYN-MAYER.


Elenco:
CHER (Loretta Castorini) NICOLAS CAGE (Ronny Cammareri), VINCENT GARDENIA (Cosmo Castorini), OLYMPIA DUKAKIS (Rose Castorini), DANNY AIELLO (Johnny Cammareri), JULIE BOVASSO (Rita Cappomaggi), JOHN MAHONEY (Perry), LOUIS GUSS (Raymond Cappomaggi), FEODOR CHALIAPIN JR. (Avô) e ANITA GILLETTE (Mona).



Cenas do Filme:


Assista também:



Um Violinista No Telhado

4 comentários:

Hugo disse...

Esta história de amores e dores é contada com grande sensibilidade pelo diretor Jewison que conta com o apoio de um elenco afiado.
Se você gosta do diretor, procure tb o drama religioso "Agnes de Deus".

Abraço

Kau Oliveira disse...

"Ao assistir a esse filme pela segunda vez, ele me surpreendeu com sua sutileza, apesar de todo o barulho e toda a emoção."

Muito feliz esta sua frase, Jacques. Acho que é um filme belíssimo que precisa ser apreciado deixando o barulho de lado mesmo. E muito o detestam por puro preconceito contra Cher que, pra mim, está fantástica.

Abraços!

Jacques disse...

Hugo, Agnes de Deus é bom e polêmico, além de trazer fortes atuações de Anne Brancoft e Meg Tilly. Abcs

Kau, é verdade. Belo filme. Cher está muito bem, porém Olympia Dukakis etá soberba. Abcs

Anônimo disse...

Não tive a oportunidade de encontrar este. Norman Jewison é bem elogiado, mas simplesmente não gostei de Jantar com Amigos...

Ciao!