quarta-feira, 4 de junho de 2008

QUERELLE

“Todo homem mata a quem ama...”


Envolvido no contrabando de ópio, Querelle (Brad Davis) mata um de seus cúmplices, o marinheiro Vic (Dieter Schidor), cuja culpa recai sobre Gil (Hanno Pöschl). Na realidade, Gil havia matado outro sujeito e busca refúgio no bairro marginal de Bagno. Sua aparência física com o irmão de Querelle, Robert (Pöschl, em papel duplo), faz com que este o considere também como a um irmão e se sinta profundamente atraído por ele. Porém há algo que os diferencia. Enquanto Gil causou uma morte involuntária, Querelle cometeu um assassinato a sangue frio. Ao final, Querelle acabará por denunciar Gil à polícia. Uma segunda da trama paralela desenvolve-se no bordel Féria. Lá, ouvimos a exagerada dissertação do tenente Selon (Franco Nero) que, fascinado por Querelle, grava suas impressões sobre ele em um equipamento. Querelle joga dados com Nono (Günther Kaufmann) e exige como prêmio a sua bela mulher Lysiane (Jeanne Moreau), dona do prostíbulo. Porém, Querelle perde a disputa e vê-se obrigado a ceder às pretensões sexuais de Nono.

O sexo tem um papel importante no assassinato do marinheiro. Para Querelle, o amor e o afeto somente podem ser exprimidos por meio da destruição e da violenta subordinação. Todos que chegam a conhecer o marinheiro Querelle rendem-se ao seu encanto, mas sua reação sempre é mortal e traiçoeira. E, quando a trama alcança o ponto trágico mais alto, Lysiane canta uma canção de cabaré inspirada nas palavras de Oscar Wilde: Todo homem mata a quem ama...

Fassbinder aborda a questão do poder dentro de um mundo essencialmente masculino como um labirinto formal de reflexos e disfarces, criando, assim, um mundo de enganos e calúnias com uma grande carga lírica.

Toda a historia se passa em um cenário surrealista, criado pelo cenógrafo Rolg Zehetbauer nos estúdios CCC de Berlim Oriental, sendo toda narrada em off. A ação desenvolve-se em diversos lugares: um barco ancorado próximo a Brest, o bordel de Féria, uma taverna, algumas ruas da zona portuária e um jardim árabe.

Os cenários apresentam uma iluminação de tonalidade vermelha e amarela. Não há uma clara linha de separação entre um lugar e outro. A aparente intimidade existente nos encontros privativos é sufocada por um cenário interno e externo, por superfícies planas e profundas, por ações objetivas e sentimentos subjetivos, por percepções próprias e alheias. A ligação de todos esses elementos determina a trama de “Querelle” e a sua cenografia especifica constitui um recurso estilístico fundamental.

O produtor, Dieter Schidor, havia oferecido anteriormente o roteiro a outros diretores, tais como Sam Peckinpah e Roman Polanski. O certo é que a novela de Jean Genet, na qual se baseia a história, parece feita sob medida para Fassbinder, cujo tratamento apaixonado que dá ao material adere perfeitamente à sua obra anterior.

Naquele que parece ser seu filme mais pessoal, Fassbinder examina os mecanismos psicológicos das relações amorosas. A diferença de seus outros filmes, é que em “Querelle” não há referências temporais, de forma que ele adquire uma dimensão universal.

O tom da obra é cheio de lirismo, com movimentos de câmera lentos, e o aspecto teatral da história intensifica-se graças aos cenários que mais parecem um palco do que um estúdio cinematográfico. Aliado a isso, justifica-se a interpretação dos atores que, em alguns momentos, é exagerada. O filme perde um pouco de ritmo por conta dessa ditadura da forma e excesso estilístico.

Em “Querelle”, Fassbinder cria um cosmos íntimo inteiramente determinado pelo desejo masculino, e ainda que a ele renda homenagem, também demonstra seu fracasso. Filme hermético, que pode não agradar a todos, mas é forte e essencial para os que apreciam o novo cinema alemão.



"Querelle" (Querelle)
1982 – ALEMANHA/FRANÇA - 107 min. – Colorido – DRAMA
Direção: R.W. FASSBINDER. Roteiro: R.W. FASSBINDER e BURKHARD DRIEST, baseado no livro QUERELLE DE BREST, de JEAN GENET. Fotografia: XAVER SCHWARZENBERGER. Montagem: R.W. FASSBINDER (como Franz Walsch) e JULIANE LORENZ. Música: PEER HABEN. Produção: DIETER SCHIDOR, para PLANET FILM PRODUCTIONS, ALBATROS.

Elenco: BRAD DAVIS (Querelle), FRANCO NERO (tenente Seblon), JEANNE MOREAU (Lysiane), LAURENT MALET (Roger Bataille), HANNO PÖSCHL (Robert/Gil), GÜNTHER KAUFMANN (Nono), BURKHARD DRIEST (Mario), DIETER SCHIDOR (Vic), KARL SCHEYDT (Marinheiro) e ROGER FRITZ (Inspetor Marcellin).

Trailer Original:


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