domingo, 24 de fevereiro de 2008

ERA UMA VEZ NA AMÉRICA

"Gosto do fedor das ruas. Limpa meus pulmões."

Lower East Side de Manhattan, 1923: o garoto judeu Noodles e seus quatro amigos, todos malandros de rua como ele, tentam extorquir um bêbado. Mas desistem quando um estranho, Max, aproxima-se. Esse será o começo de uma estreita amizade que unirá Noodles e Max durante mais de quarenta anos. Depois de dedicar-se às mais diversas atividades ilegais, ambos separam-se e voltam a encontrar-se em circunstâncias diferentes.

Desde a adolescência, Max e Noodles mostram um instinto para negócios. Com o ímpeto da juventude, dedicam-se a comercializar bebidas alcoólicas no mercado negro, durante o período da Lei Seca. Primeiro, através de gângsters mais experientes e, depois, por conta e risco próprios. Fazendo isso, vão longe demais: negam-se a pagar sua parte ao chefão local e este mata o mais jovem do grupo. Noodles inicia uma vingança sangrenta e, na disputa, mata um policial. Noodles é preso e condenado a dez anos de prisão.

Quando é libertado, Noodles volta novamente aos seus antigos amigos, que durante o período transformoram as atividades do grupo em um império de negócios fraudulentos, entre eles uma taverna clandestina. Max (James Woods), Noodles (Robert de Niro) e seus amigos Patsy (James Hayden) e Cockeye (William Forsythe) se convertem, assim, em "peixões" do crime organizado de Nova Iorque.

Prostituição, contrabando de bebidas e roubo de jóias são para eles parte de suas rotinas. Também, alguns empresários, cujos trabalhadores estão em greve, contratam seus serviços para que "convençam" seus empregados voltarem ao trabalho. Noodles é, de todos, o menos ambicioso, um bandido da velha guarda, que dá importância a valores como lealdade e amizade. Max, por outro lado, é um moderno e ambicioso homem de negócios, cuja cobiça o leva à idéia suicida de assaltar o FED. Noodles vê-se obrigado a proteger seu amigo de si mesmo...

A força do relato cronológico de "Era Uma Vez na América", de Sergio Leone, não é fácil de ser notado na grande tela. Ainda que a história seja apaixonante, a direção de arte impecável, a trilha sonora de Ennio Morricone nostálgica e a fotografia de Tonino Delli Colli nos ofereça cenas repletas de poesia que chegam a tirar o fôlego, a verdadeira força motriz do filme recai no estilo narrativo - uma montagem virtuosa de tomadas em flashbacks.

"Era uma Vez na América" é contado em três níveis cronológicos diferentes - a infância de Noodles (1923); seu amadurecimento (1933) e sua velhice (1969). No que poderia ser um ínicio de filme de trinta minutos, ele enfatiza os dois últimos periodos. Por várias vezes, a trama se situa na infância do protagonista e, a partir deste ponto, desenvolve-se mais ou menos cronologicamente com algum salto ocasional para o "futuro" de Noodles. A mastria narrativa de Leone fica patente no toque do telefone, que confunde o espectador ao interligar três cenas no início do filme. Toca o telefone durante uma sequência em que Noodles fuma ópio; segue tocando em outra cena que se desenvolve em uma rua e, finalmente, alguém coloca o aparelho em um bar. Somente, no final do filme. quando a conversa é retomada, nos damos conta de sua importância.

O filme é cheio de situações de pura magia, tal qual o garoto louco para perder a virgindade - aguarda a menina, sentado na escada, com um pedaço de bolo para presenteá-la. Ao demorar, ele não resiste à tentação e come o doce - o despertar do desejo em uma criança raramente foi expressado de forma tão sublime na telona.

Com seu estilo narrativo, Leone nos oferece um entretenimento cheio de quebra-cabeças, que deve ser montado conforme o desenvolvimento da trama. Essa estrutura, que pode ser interpretada como o processo de evocação de Noodles a respeito de sua própria vida, determina toda a atmosfera do filme. No ínicio, vemos um velho herói vencido e encurralado, buscando o esquecimento no ópio, que volta a recordar seu passado.

Esta triste passagem no início do filme, dota a história de um clima melancólico que permeia o filme todo. Desde o princípio, já sabemos que não assistimos somente as aventuras de um grupo de garotos em busca de sobrevivência pelas ruas - mesmo que o seu entusiamo nos atinja ou, posteriormente, nos hipnotize com a atitude irônica e autocomplacente dos velhos gângsters.

Vale destacar também que o filme não glorifica em nenhum momento os protagonistas, não os torna heróis. E, além disso, preocupa-se em mostrar o alto preço a ser pago pelo estilo de vida que adotaram. Por outro lado, e muito mais grave, fica aparente a incapacidade dos protagonistas para conviverem em harmonia na sociedade. Noodles é incapaz de manter uma relação com Deborah (Elizabeth McGovern), a mulher que ama desde a infância. O ponto máximo de humilhação de ambos ocorre quando ele a violenta porque Deborah não quer abandonar Nova Iorque. No filme, o sexo equipara-se constantemente à violência e ao poder. No final, sequer a amizade sobrevive. O víncuulo entre Noodles e Max rompe-se quando este último o trai.

"Era Uma Vez Na América" não é somente uma história que fala sobre a amizade e que faz homenagem aos filmes clássicos de gângsters de Hollywood, mas também é uma visão do lado obscuro do sonho americano e um final amargo para a trilogia de Leone. Cinema em grande estilo.



Era Uma Vez Na América (Once Upon a Time in America)
1983 - EUA/ITÁLIA - 167 min. – Colorido - DRAMA
Direção: SERGIO LEONE. Roteiro: SERGIO LEONE, LEONARDO BENVENUTI, PIERO DE BERNARDI, ENRICO MEDIOLI, FRANCO ARCALLI e FRANCO FERRINI, baseado no livro THE HOODS, de HARRY GREY. Fotografia: TONINO DELLI COLLI. Montagem: NINO BARAGLI. Música: ENNIO MORRICONE. Produção: ARNON MILCHAN para EMBASSY INTERNATIONAL PICTURES, WARNER BROS., WISHBONE, PSO INTERNATIONAL e RAFRAN CINEMATOGRAFICA.

Elenco: ROBERT DE NIRO (David Noodles Aaronson), JAMES WOODS (Max), ELIZABETH MCGOVERN (Deborah), JENNIFER CONNELY (Deborah, criança), TREAT WILLIAMS (Jimmy O´Donell), TUESDAY WELD (Carol), BURT YOUNG (Joe), JOE PESCI (Frankie Monaldi), DANNY AIELLO (Chefe de polícia Aiello) e WILLIAM FORSYTHE (Philip Cockeye Stein) e JAMES HAYDEN (Patrick Patsy Goldberg).


Trailer Original:

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