terça-feira, 1 de julho de 2008

WALL-E

“Eu não quero sobreviver. Quero viver.”


Wall-E é uma pequena máquina que, tendo superado sua programada obsolescência, passa seus dias com o trabalho rotineiro de juntar e compactar lixo, em uma Terra devastada por nossos semelhantes sem nenhuma percepção ambiental – a cultura do consumismo deixou marcas aparentemente irreversíveis em nosso planeta. Os humanos são, então, enviados temporariamente para viverem em uma nave distante, à espera de que a situação seja modificada e o planeta reconstitua sua vitalidade. O nome de nosso “herói” (?) significa Waste Allocation Load Lifter – Earth, uma tradução literal para Carregador de Cargas para Alocação de Lixo. Mas, para ele, nem tudo que encontra pelo caminho é descartável. Na pequena fortaleza metálica em que ele e sua amiga barata se protegem de tempestades de areia, Wall-E mantém uma coleção de tesouros dos mais variados, desde isqueiros Zippo até uma série de outras quinquilharias, incluindo, acreditem, um cubo mágico (quem não teve um?). O porquê de Wall-E manter esses artefatos de uma era perdida é perfeitamente compreensível. Afinal, também ele é um produto da ingenuidade humana, da tradição e da recuperação de valores – sua relíquia mais preciosa é uma fita VHS do musical “Hello Dolly!” (1969),que nunca se cansa de reproduzir.

Observando o que cerca Wall-E, o espectador percebe que, em algum tempo, um conglomerado chamado BnL (de Buy and Large) encheu a Terra com megastores e toneladas de lixo. Eventualmente, a corporação levou seus valiosos consumidores para uma estação espacial, onde a população é envolvida pela cultura da gordura – os rechonchudos sobreviventes, na verdade, estão à mercê de uma força maior – o consumismo desmedido -, já incorporada às máquinas que controlam os humanos.

Embora as referências sejam mais diretas a "2001- Uma Odisséia no Espaço", isso é chover no molhado, uma obviedade. Talvez o mais justo fosse associá-lo à obra de A. Huxley, "Admirável Mundo Novo". Nessa obra, “ter a consciência das coisas” era um perigo constante a ser evitado em prol de se manter o status quo – ali, as emoções e a identidade genética eram tabus - aqui, em Wall-E, ocorre o mesmo. Devolver à Terra sua natividade não interessa à nova ordem e, quem questiona esse estado de coisas, deve ser parado. Wall-E equivale ao personagem Selvagem de Huxley.

Ele tem a companhia de uma Eve, uma máquina moderna, que chega à Terra em busca de sinais vitais. O relacionamento amoroso entre eles é bastante tradicional. Se “Wall-E” fosse uma comédia romântica, seria sobre um humilde lixeiro que se apaixona por uma modelo famosa – que é uma cientista com habilidade em artilharia.

Wall-E é uma caixa de lata à moda antiga, barulhento, movido à energia solar e por meio de correias, cheio de rebites, com a superfície de engrenagens e sinais de ferrugem. Ele é imperturbável, sem deixar de ser inteligente, e sempre chamando atenção. Eve, que tem o formato de um ovo, é tão cool como um modelo de iPhone de última geração e sussurra, a não ser quando está atiçada – situação em que ela tende a explodir as coisas ao seu redor. Ela e Wall-E comunicam-se através de ruídos que, ocasionalmente, formam palavras. De algum modo, suas expressões – de desejo, irritabilidade, indiferença, devoção e ansiedade, todas harmônicas em sutis contrapontos – alcançam eloqüência sideral.

Ao evitar tornar um conto sobre o cataclisma ambiental numa aula difícil, o diretor mostra sua consciência sobre as contradições inerentes ao cinema popular para avançar numa crítica sobre a cultura do consumo. Os moradores da estação espacial, acostumados a ser atendidos por robôs industriais, cresceram, assemelhando-se a bebês gigantes, com rostos redondos, torsos vermelhos e membros frágeis, além de curtos e grossos.

O capitalismo consumista, antecipando cada necessidade possível e envolvendo indivíduos de acordo com sua conveniência, tem uma força poderosa. Mas, ao moverem-se em poltronas reclináveis, os olhos fixos em monitores de vídeo, entupindo-se de calorias através de canudos enfiados em copos enormes, esses superbebês espaciais também se parecem com freqüentadores de cinema num Multiplex.

Em outras palavras, eles representam nós mesmos. E, assim como a gente, eles não são de todo maus. O paradoxo no coração de Wall-E é que o elemento que motiva inventar coisas novas e melhorar as velhas – comprar, vender, produzir, colecionar – cria o potencial para o caos, mas também o possível caminho para evitá-lo. Ou, de outro modo, alguns dos mesmos impulsos que preenchem o mundo de “Wall-E” – nosso mundo – com “sucatas”, podem também preenchê-lo com arte. Não perca.




"Wall-E" (Wall-E)
2008 – EUA - 103 min. – Colorido – DESENHO ANIMADO
Direção: ANDREW STANTON. Roteiro: ANDREW STANTON E JIM CAPOBIANCO. Efeitos Especiais: CHRIS CHAPMAN. Produção (Design): RALPH EGGLESTON. Montagem: STEPHEN SCHEFFER. Música: THOMAS NEWMAN. Produção: JIM MORRIS; distribuído pela WALT DISNEY PICTURES e PIXAR ANIMATION STUDIOS.

Elenco: BEN BURTT (Wall-E) ELISSA KNIGHT (Eve), JEFF GARLIN(Capitão), FRED WILLARD (Shelby Forthright), JOHN RATZENBERGER(John), KATHY NAJIMY(Mary) e SIGOURNEY WEAVER (Computador da Nave).

Trailer Original:


Do mesmo diretor:



Procurando Nemo

6 comentários:

pseudo-autor disse...

Mais um blog novo que eu visito que vale a pena. Wall-e é como o ser humano deveria ser, mas na visão e nas falas de um robô. Lindíssimo. A pixar conseguiu se reinventar de novo e mostra porque é a principal compnhia de animação da atualidade.

Discutir a mídia? Acesse
http://robertoqueiroz.wordpress.com

Hugo disse...

Não sou grande fã de animações, mas esta parece ser interessante, as críticas são boas pelo menos.

Abraço

Miriam disse...

Assisti a este filme domingo , junto com a minha filha de 10 anos e mais uma porção de criançadinha que se divertiram muito. O filme é muito bom, como sempre a PIXAR dá um show.Este é outro filme que devo adquirir para a minha coleção de DVDS.
Beijos.

Pedro Henrique Gomes disse...

Não levo jeito para animações também, mas Wall-E está recebendo uma crítica tão favorável que estou com vontade de assistir. Sem contar nas referências a 2001 de Kubrick.

Abraço!

Jacques disse...

Beto, valeu. Tá linkado já. O diferencial é o plot e a condução desse tema tão em voga, sem cair no lugar-comum, com rara sensibilidade. No caso da Pixar, todos já falaram. Excelente.

Hufo. Quebre os paradigmas e assita esse, velho. Não vai se arrepender.Abcs.

Miriam. É isso aí. Também estou no aguardo do DVD. Beijão.

Pedro,vai curtir de montão. Abcs

Unknown disse...

Estou louco para ver. Esta semana, levo meu filho e mato a minha vontade.