domingo, 23 de março de 2008

A FONTE DA DONZELA

É um filme direto e descomplicado de Bergman, que relaciona violência e vingança, brutalidade e compaixão ou – para resumir – o bem e o mal. Entretanto, justamente pela sua simplicidade – e tema não complexo – está longe de parecer um filme fácil de assistir ou elogiar. Por ter criado cenas de brutalidade, o diretor, por puro e cruel realismo, faz-nos ficar perplexos. Mesmo que elas contribuam para a força do tema, elas tendem mais a incomodar do que causar a dramaticidade pretendida. Embora tudo o que é mostrado seja benvindo para facilitar a interpretação do hermetismo dos filmes de Bergman, há um ponto além do qual a sofisticação do artista pode ser reduzida à simplicidade – esse é o caso.

O tema é sobre a violência cometida por dois pastores em uma virgem inocente, da vingança do pai e de sua penitência cristã pelo erro não-cristão que ele comete. Passado na Idade Média, tendo como panorama uma latifúndio feudal (que Bergman tratou visualmente com a mesma força e rusticidade que em “O Sétimo Selo”), o conflito é o que provavelmente teria ocorrido naquela época - entre o ímpeto pagão de vingança e o perdão cristão.

Quando a virgem, que foi incumbida por seu pai a entregar velas numa igreja nos tempos de Páscoa, é abordada na floresta pelos pastores, estuprada e assassinada por eles, comete-se o o ato inicial de violência. É uma brutalidade que Bergman representou com toda hediondez e terror.

A virgem, interpretada por Birgitta Pettersson, é uma figura terna e doce. Os pastores, interpretados por Avel Duberg and Tor Isedal, são brutos. A fascínio deles em relação à criança causa náusea, que é claramente representada pela reação de um garoto, que acompanha os pastores e assiste à cena de violência.

A reação do pai ao ato, quando descobre, é de igual atrocidade. Após preparar-se, chicoteando-se com ramos de folhas ao tomar banho, ele encurrala os pastores na casa – corta a garganta de um com uma faca e atira um outro contra uma fogueira. Na seqüência, pega o garoto, pelo qual nutria simpatia e afeição – o segundo símbolo de inocência do filme – e o mata jogando-o contra uma parede.

Em toda essa encenação, Bergman alcança uma tremenda comoção mental, primal e de extraordinária força psicológica. O pai, interpretado por Max von Sydow, o cavaleiro feudal de “O Sétimo Selo” é uma figura sombria e inflexível, a imagem de um fanático zeloso e feroz. A mãe, interpretada por Birgitta Valberg, é menos rígida e obtusa, mais passível de compreensão, porém fruto da superstição pagã. Outros personagens, como a garota selvagem com cara assustada, o velho da ponte e a cozinheira – contribuem para dar ao filme um toque de fragilidade humana e ferocidade medieval.

Caso se deseje, é possível descobrir simbolismos no filme. Cada personagem pode ser a representação de algum elemento contemporâneo do mundo atual. Mas, percebe-se que Bergman quis dar ao espectador nada mais do que um testemunho literal, cruel, mas vibrante e tocante, de moral. Quando uma fonte emerge da terra sobre a cabeça da criança morta, após o pai estar arrependido de seu erro, o simples - quase ingênuo –ato resulta em um milagre. Uma obra simples e poderosa.



A Fonte da Donzela (Jungfrukällan)
1959 – SUÉCIA - 124 min. – Preto e Branco – DRAMA
Direção: INGMAR BERGMAN. Roteiro: ULLA ISAKSSON, baseado numa lenda do século XIII. Fotografia: SVEN NYKVIST. Montagem: OSCAR ROSANDER. Música: ERIK NORDGREN . Produção: INGMAR BERGMAN E ALLAN EKELUND.

Elenco: MAX VON SYDOW (Töre) BIRGITTA VALBERG (Märeta), GUNNEL LINDBLOM (Ingeri), BIRGITTA PETTERSSON (Karin), AVEL DÜBERG (O pastor magro), TOR ISEDAL (O pastor mudo), ALLAN EDWALL (O pedinte), OVE PORATH (O garoto), AXEL SLAGUS (O velho da ponte), GUDRUN BROST (Frida) e OSCAR LJUNG (Simon).

Prêmios:
Menção Especial no Festival de Cannes/1960
Oscar de Melhor Filme Estrangeiro/1961
Globo de Ouro (Prêmio Samuel Goldwyn) Melhor Filme Estrangeiro/1960.

Trailer Original:


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O Sétimo Selo

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