domingo, 16 de março de 2008

VOLVER

"Coisas de mulher.”


O filme “Volver” é uma história sem flashbacks ou intrincadas tramas, mas é um filme de um grande diretor. Contribui para isso o conjunto de atrizes poderosas e cheias de recursos, em particular da protagonista, Penélope Cruz. Ela interpreta Raimunda, uma trabalhadora “empurrada” para todas as direções por acontecimentos nada fáceis e pelas necessidades das mulheres que estão ao seu redor. Em um ponto no filme, ela atende a porta para seu vizinho, Emílio (Carlos Blanco), um dos tímidos e supérfluos homens que aparecem na tela. Emílio, que claramente tem uma “queda” por Raimunda, percebe uma mancha de sangue em seu pescoço e pergunta se ela está bem. Ela responde: “Coisas de mulher” ou coisa parecida, num tom de piada e verdade.

Realmente há muitos problemas e dores de cabeça. O sangue pertence a seu marido, Paco (Antonio de la Torre), que morreu recentemente num mar vermelho no chão da cozinha, depois de levar uma facada no estômago. Sua morte não é para ser desprezada – e ele recebe um funeral que merece – nem para ser lamentada. Os homens para Raimunda, e seu ciclo de relacionamento, tendem a ser maus, desprezíveis ou simplesmente ausentes: são maridos errantes, aproveitadores, pesos-mortos – causam problemas. Mas “Volver” não trata dos homens.

Trata, sobretudo, do que as feministas norte-americanas do passado chamavam de irmandade, e também sobre as complicadas semelhanças que o diretor mostra durante o crescimento de uma criança em uma sociedade espanhola, tradicional, oprimida e patriarcal. Os problemas de Raimunda podem ser extremos, mas ela livra-se deles com determinada paixão, dando vazão para cada sentimento, nunca resvalando em auto-comiseração.

Há muitos outros que precisam de sua atenção, em especial sua filha adolescente, Paula (Yohana Cobo), que foi objeto da lúxuria de Paco. Raimunda também tem que dar atenção a Sole (a espetacular Lola Dueñas), sua irmã, cujo rosto registra solidão e desapontamento mesmo quando tenta demonstrar estar com muitos problemas ou mesmo bem humorada; também para sua tia Paula (Chus Lampreave); e, finalmente para Agustina (Blanca Portillo), uma vizinha, cujos lamentos são tantos que poderiam ocupar outro filme. Há também um restaurante para ser administrado (cujo dono é Emílio, mas que Raimunda toma conta, durante sua ausência).

Neste papel, Penélope Cruz mostra que realmente é uma atriz de peso, em parte porque ela consegue ser crua, despretensiosa e mesmo vulgar, sem perder um milímetro de seu glamour. Além disso, o diretor foi inspirado ao colocar Carmen Maura como a mãe de Raimunda, que adiciona um toque de gótico (e surrealista) à estória. O humor de Carmen Maura é um elemento crucial na estrutura do filme. – é uma crônica, de tragédia e terror, “envernizada” em cores fortes e brilhantes.

Para relacionar detalhes da narrativa – morte, câncer, traição, abandono familiar, mais morte, etc. – o filme teria que criar uma impressão de melancolia e angústia. Mas isso não ocorre com “Volver”, que trata do tema de forma fácil – sem ser fútil – e densa, sem nunca cair no sentimentalismo. O diretor admite ceticismo – e leva isso a sério – a partir de uma perspectiva fundamentalmente humorada. Muitos poucos diretores conseguiram sorrir tão convincentemente face à miséria e fatalidade – um deles é Jean Renoir. Um amigo, ao assistir ao filme, lembrou-me de outro – Billy Wilder. Mesmo não tendo assistido muito Almodóvar e não saber se ele ainda possui tal calibre, provavelmente ele pode fazer companhia a esses dois grandes mestres do cinema.

“Volver” é fascinante na sua concepção– a direção de fotografia de José Luis Alcaine e a suave e apaixonada trilha sonora de Alberto Iglesias – mas nunca artificial. O filme seduz o espectador, convida-o a permanecer atento e ansioso. Oferece algo mais do que realismo. O mundo real, afinal de contas, é o lugar onde todos temos que viver; para alguns de nós, contudo, o mundo de Almodóvar, parece ser seu lar.



Volver (Volver)
2006 – ESPANHA - 121 min. – Colorido – DRAMA
Direção: PEDRO ALMODÓVAR. Roteiro: PEDRO ALMODÓVAR. Fotografia: ALBERTO IGLESIAS. Montagem: JOSÉ SALCEDO. Música: JOSÉ LUIS ALCAINE. Produção: ESTHER GARCIA, distribuído pela SONY PICTURES CLASSICS.

Elenco: PENÉLOPE CRUZ (Raimunda), CARMEN MAURA (Irene), LOLA DUEÑAS (Sole), BLANCA PORTILLO (Agustina), YOHANA COBO (Paula), CHUS LAMPREAVE (Tia Paula), ANTONIO DE LA TORRE (Paco) e CARLOS BLANCO (Emílio).


Trailer Original:


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Um comentário:

Anônimo disse...

E o que é Penélope Cruz? Além de ótima atriz, ela tem uma beleza ímpar. Não é aquele padrão loiro-estonteante que Hollywood gosta de nos empurrar. É uma beleza bruta, que não cansa os olhos.