sábado, 16 de fevereiro de 2008

A BELA E A FERA

"Meu coração é bom, mas eu sou um monstro."

Enquanto Bela (Josette Day) trabalha na granja com seu pai (Marcel André) - um mercador pobre, suas irmãs vaidosas (Mila Parély e Nane Germon) se ocupam de arrumar um casamento com algum príncipe encantado. Por sua vez, o irmão (Michel Auclair) é um vagabundo que gasta seu tempo com seu amigo Avenant (Jean Marais). Este último é um rapaz bem apessoado que nutre o sonho de casar-se com Bela. Bela, no entanto, prefere ficar ajudando o pai.

Em uma ocasião, ao voltar para casa, seu pai – mais uma vez sem realizar um bom negócio – perde-se no bosque, vendo-se obrigado a passar a noite num castelo. Ao amanhecer, arranca uma rosa do jardim, o que causa a ira do proprietário, uma besta (papel também interpretado por Jean Marais) - metade homem, metade animal que, em compensação, exige a vida do infeliz mercador....ou de uma de suas filhas.
O homem, decidido a morrer, dispõe de três dias para despedir-se de sua família. Entretanto, antes que possa voltar para redimir-se da culpa, Bela cavalga até o castelo da Besta disposta a ocupar o lugar do pai.

“Era uma vez...”: Jean Cocteau utiliza esta fórmula clássica como introdução para sua versão de “A Bela e a Fera”, o célebre conto de Jeanne-Marie Leprince de Beaumont. Três palavras que, desde o tempos que nem nos lembramos mais, animam o público a enveredar para o irracional, com a promessa de mergulhar em um mundo ingênuo, cheio de beleza e, ao mesmo, tempo cheio de maldades. O filme de Cocteau cumpre a promessa maravilhosamente, uma vez que aborda o material literário com uma imaginação surrealista, sem deixar de ser pessoal.

Como cineasta, Cocteau se considerava antes de tudo um poeta surrealista. Entretanto, a diferença de seu filme anterior, O “Sangre de um Poeta” (1930), que já denotava uma influência mais clara da vanguarrda dos anos 20, é que a “Bela e a Fera” se ajusta mais às convenções do cinema mais narrativo. Essa narrativa talvez se deva também pela presença de René Clément que co-dirigiu o filme.

Entre as características da poesia do cineasta, percebemos a presença do sobrenatural na vida cotidiana. No filme, a referência visual de Cocteau para retratar o dia a dia dos personagens remete-nos à pintura holandesa do século XVII. Para as imagens da granja do pai, recomendou ao diretor de fotografia, Henri Alekan, que se inspirasse, entre outros, nos quadros de Vermeer. A intenção não era reproduzir exatamente aquelas telas, mas sim captar a luz, a disposição espacial e a postura das pessoas. No estilo poético de Alekan pode-se reconhecer claramente essas influências pictóricas.

Por outro lado, para o castelo e arredores, as referências foram as sombrias ilustrações que Gustave Doré havia realizado para os contos de Perrault, assim como a obra de outros artistas especializados no gênero fantástico, O diretor supôs integrar seus mágicos recursos cinematográficos e visões surrealistas ao mundo sobrenaturai. Nas diversas ocasiões, utilizou seqüências projetadas no sentido inverso para conseguir efeitos desconcertantes. Outra idéia simples, mas efetiva, são os candelabros expostos na parede diante de braços humanos ou os rostos das cariátides que seguem os personagens com o olhar. Um momento especialmente belo é a cena em que Bela flutua pelos largos corredores como se fosse uma fada.

Mais tarde fica claro que as referências pictóricas também nos permitem interpretar o filme a um nível mais profundo. Ao ver a Besta, Bela desmaia. Enquanto o monstro a leva para o quarto, sua postura faz-no lembrar da mulher que sonha no célebre quadro de Füssli, “O Pesadelo” (1781). O paralelismo revela que, na opinião de Cocteau, o monstro não é o único que sente desejo: na realidade, devemos entender a cena como uma fantasia erótica de Bela.

No final, Avenant morre, porque, na sua tentativa de libertar Bela e apropriar-se do tesouro da Besta, dá de bruços com o principio do extraordinário.

Ao mesmo tempo, a Besta também morre e se transforma em um príncipe com o gesto de Avenant, graças ao amor de Bela. Apesar de ser um final feliz realmente adequado para o conto, o filme transmite uma vaga melancolia, uma vez que o diretor nos permite intuir que a moça amou realmente a Besta – o príncipe nunca poderá substituí-la.




A Bela e a Fera (La Belle et la Bête)
1946 - FRANÇA - 96 min. – Preto e Branco - Drama
Direção: JEAN COCTEAU. Roteiro: JEAN COCTEAU, baseado na obra de JEANNE-MARIE LEPRINCE DE BEAUMONT. Fotografia: HENRI ALEKAN. Montagem: CALUDE IBÉRIA. Música: GEORGES AURIC. Produção:ANDRE PAULVÉ, para a DISCINA.

Elenco: JEAN MARAIS (a Besta/oPríncipe/Avenant), JOSETTE DAY (Bela), MARCEL ANDRÉ (pai de Bella), MILA PARÉLY (Felicity), NANE GERMON (Adelaide), MICHEL AUCLAIR (Ludovic) e RAUL MARCO (agiota).


Trailer Original:

Nenhum comentário: