domingo, 4 de maio de 2008

CARRUAGENS DE FOGO

“Acredito que Deus me criou com um objetivo determinado, mas também fez-me rápido.”


Durante a cerimonia de Oscar do ano de 1981, o tema musical composto por Vangelis para o filme “Carruagens de Fogo” tocou quatro vezes: com a entrega do prêmio de melhor filme, melhor roteiro, melhor vestuário e melhor trilha sonora. “Carruagens de Fogo” foi o primeiro longa do diretor Hugh Hudson, com um êxito somente igualável em seu filme posterior, Greystoke, a Lenda de Tarzã (1984). Em termos artísticos, o filme foi também louvável, já que o diretor conseguiu reproduzir em imagens quase míticas a força do espírito de uma competição esportiva clássica, a qual a moderna indústria do esporte parece ter deixado pra trás. A história que conta Hugh Hudson nos remete a 1924, quando dois atletas de nacionalidade britânica conseguiram nos Jogos Olímpicos de Paris as medalhas dos 100 e dos 400 metros.

Harold M. Abrahams (Ben Cross) é um inglês de origem judaica, que estuda Direito em Cambridge, logo após o término da Primeira Grande Guerra Mundial. Eric Liddell (Ian Charleson) é um escocês cristão, que algum dia ocupará a função em uma missão que seu pai conduz na China. Ambos sentem um obsessão por correr, que tem suas origens em razões pessoais. Abrahams quer chegar a ser o melhor porque somente na cabeça do grupo ele se sente plenamente integrado à sociedade inglesa. Como estudante em Cambridge, já pertence à elite, mas como filho de um emigrante judeu da Lituânia, vê-se obrigado a enfrentar muitos preconceitos.

Para o profundamente devoto Liddell, correr é uma espécie de ato religioso, uma forma de agradar a Deus: “Quando estou correndo, sinto que o Senhor se sente satisfeito”. Essa associação entre esporte e religião tem suas raízes na concepção vitoriana de um cristianismo de força física. Entre dois homens tão opostos não há como surgir, no mínimo, uma relação de intensa competitividade – o clássico estereótipo dos filmes que tem o esporte como tema central. Ao contrário, em “Carruagens de Fogo” logo se mostra evidente que o ponto forte não reside na rivalidade entre os dois personagens, mas sim na paixão compartilhada por correr.

O filme começa traçando um paralelo entre os dois heróis. Ambos preparam-se intensamente para os Jogos Olímpicos e também decepcionam as pessoas mais próximas a eles: Abrahams descuida de sua noiva Sybil (Alice Krige) e Liddell decepciona sua irmã Jennie (Cheryl Campbell), a quem prometeu ocupar a missão na China (um dever que faz alusão continuamente). Mas surgem mais dificuldades. Abrahams contrata um personal trainer (Ian Holm), que nem sequer é inglês e tem uma séria disputa com as autoridades universitárias. Por outro lado, Liddell, cuja religião lhe proíbe competir aos domingos, já estava a caminho da França quando decide não participar da competição, que ocorrerá naquele dia. O assunto vira contenda até com o Príncipe de Gales. No último momento, um colega da equipe britânica cede seu lugar em uma corrida programada para outro dia, em favor de Liddell.

Para ambos os protagonistas, a vitória nos Jogos Olímpicos é a coroação de uma longa caminhada de amadurecimento pessoal. Abrahams está feliz em poder desfrutar de uma relação convencional e de uma vida discreta e burguesa. Liddell pode aceitar, por fim, a herança de seu pai: a missão na China. Mas como ocorre no primeiro filme de Sylvester Stallone, Rocky (1975), ambos haviam conseguido muito antes suas vitórias mais importantes - Liddell, ao permanecer fiel a suas convicções; Abrahams, ao dar o melhor de si mesmo.

Além de ser uma história excepcionalmente contada, o filme está coberto por uma aura especial na representação das corridas. O nervosismo silencioso antes do início, as inúmeras repetições em câmera lenta, os primeiros planos dos rostos dos atletas e, em grande parte, também, a música eletrônica de Vangelis, fazem com que as cenas de corrida sobressaiam-se do resto da trama e consigam transmitir a tensão interna dos atletas. E, é precisamente essa visão na vida interior dos personagens, que nos conduz a outro nível de consciência: a da idéia de uma Inglaterra como uma grande potência, unida e integradora. Por isso, soa o hino nacional na vitória de Abrahams e o Príncipe de Gales felicita pessoalmente Liddell.

Nenhum dos dois personagens é tipicamente britânico. Abrahams é fruto da segunda geração de uma família de emigrantes judeus e Liddell é um escocês nascido na China. Ambos provêem dos mais remotos continentes do “Império”, mas são aceitos no coração deste, graças a seus triunfos esportivos. Não obstante, ainda que ambos compitam em nome da Inglaterra, nenhum o faz por motivos patrióticos. Tanto para o judeu Abrahams, como para o cristão Liddell, correr é uma crença pessoal e sua motivação provém da própria necessidade de buscar a verdade e o auto-conhecimento. Por essa razão, quem sabe, o filme começa e termina com uma imagem de inocência: jovens vestidos de branco correm sobre as ondas que quebram na praia.



Carruagens de Fogo (Chariots of Fire)
1981 – INGLATERRA - 123 min. – Colorido – DRAMA
Direção: HUGH HUDSON. Roteiro: COLIN WELLAND. Fotografia: DAVID WATKIN. Montagem: TERRY RAWLINGS. Música: VANGELIS. Produção: DAVID PUTTNAM, para ALLIED STARS, WARNER BROS. E ENIGMA PRODUCTIONS.

Elenco: BEN CROSS (Harold Abrahams) IAN CHARLESON (Eric Liddell), NIGEL HAVERS (Lord Andrew Lindsay), NICK FARREL (Aubrey Montague), DANIEL GERROLL (Henry Stallard), CHERYL CAMPBELL (Jennie Liddell), ALICE KRIGE (Sybil Gordon), sir JOHN GIELGUD (diretor do “Trinity”), LINDSAY ANDERSON (diretor do “Caius”) e IAN HOLM (Sam).

Prêmios:
Oscars de Melhor Filme (David Puttnam), Melhor Roteiro (Colin Welland), Melhor Vestuário (Milena Canonero) e Melhor Trilha Musical (Vangelis) /1981.

Trailer Original:


Assista também:




Greystoke

9 comentários:

Robson Saldanha disse...

Nem fale deste filme, sou louco pra vê-lo! Um grande clássico em que sua trilha sonora ficou marcada de forma grandiosa e pra sempre!

Anônimo disse...

Robson,

Vale a pena mesmo. Embora alguns achem que o filme seja meio açucarado, não procede; deu um novo boom ao cinema inglês no início da década de 80, surpreendendo na disputa do Oscar naquele ano. Filme bem feito. Recomendo-o.

Pedro Henrique Gomes disse...

Na passada por alguns clássicos, Carruagens de Fogo é uma obra a ser visitada. Bela dica!

Abraço!!

Cecilia Barroso disse...

Poxa, preciso rever este filme. Faz muito tempo que existi e, hoje, só me lembro da cena da corrida... Uma boa dica e uma excelente lembrança...

Anônimo disse...

Também nunca assisti esse filme, apesar de conhecer muito sua música tema.
Verei qualquer dia desses.

Jacques disse...

Pedro e Cecília: Bom filme para ser revisto mesmo.

Ibertson:Não deixe de assisti-lo.

Abcs

Marcel Gois disse...

Mais um que nunca assistiu \o
Mas correrei atrás, assim que der assisto. =D

E "O Outro Lado da Rua" é uma clara e bela homenagem a "Janela Indiscreta". Muito bom.

Anônimo disse...

Eu tenho o DVD de "Carruagens de Fogo". Acho que o filme envelheceu um pouco, mas a trilha sonora composta por Vangelis é clássica e vai ficar marcada para sempre!

Cristiane Canalis disse...

Este filme é um daqueles que quando você vê, percebe que vai marcar uma fase de sua vida...sem exageros...o vi ainda na adolescência, e marcou bastante...sua mensagem forte, a integridade de seus personagens...e esta força e esta integridade fizeram de ''Carruagens de Fogo'' um dos melhores filmes que já vi. Inesquecível.