terça-feira, 25 de março de 2008

MARCAS DA VIOLÊNCIA

“O que você é? Um maluco com várias personalidades?”


O filme trata da história de uma aparentemente tranqüila família norte-americana que vê a sua paz sendo ameaçada por uma catastrófica violência numa cidade do interior do país. David Cronenberg dirige seu filme com tensão. E sua vontade de entreter – essa mistura de frenetismo e prazer – faz de “Marcas da Violência” um filme excelente. O filme é ancorado em um cidadão honrado, hesitante e misterioso, Tom Stall (excepcionalmente interpretado por Viggo Mortensen), que por trás dessas qualidades esconde um passado nada digno de orgulho.

O filme abre com dois homens saindo de um motel. O mais jovem (Greg Bryk) está vestido com camista e jeans; o mais velho (Stephen McHattie), veste uma roupa escura parecendo um agente funerário, com um cavanhaque diabólico. Embora esteja à luz do dia, provavelmente de manhã, ambos estão com mau humor e reclamando das coisas, como se estivessem descontentes com algo. O homem mais velho volta ao motel para fechar a conta e o mais novo tira o carro do lugar. Quando o homem retorna, manda o mais novo buscar água. Estão prestes a pegarem a estrada; porém, há um “serviço” a ser feito.

Há muitos homicídios em “Marcas da Violência”; nenhuma tão cruel quanto o primeiro assassinato, que acontece dentro do motel, transformado logo em sepulcro. Nessa brutalidade, na inauguração do espetáculo, Cronenberg mostra que o filme não é mais uma daquelas viagens sangünolentas que estamos acostumados a assistir aos montes no cinema.

Logo de cara, há algo que foge ao lugar comum em “Marcas da Violência” que, na primeira impressão parece um filme morno, mas vai progressivamente deixando os cabelos de pé. Um mestre conflituoso e da contradição, Cronenberg, que tem um histórico de mudanças de gênero de seus filmes – passando do horror ao suspense policial – faz reviravoltas, utilizando sua inteligência e prática de artesão neste filme de ação.

Os assassinos sempre levam o pior, como quase sempre acontece nos filmes de Hollywood, recebendo a sua lição de um tipo com uma aparentemente impecável integridade: Tom Stall. Com um casamento feliz ao lado de sua sexy e adorável esposa, Edie (Maria Bello), e dois filhos encantadores, o adolescente Jack (Ashton Holmes) e a boneca loirinha Sarah (Heidi Hayes), Tom administra uma lanchonete monótona de uma cidadela no interior. Ali, os moradores cumprimentam-se com sorriso e acenos de mão, e os jovens dividem ice cream soda. Não há um supermercado (talvez um Wal-Mart) ou McDonald´s local – nem lojas, nem tóxicos, nem brigas, nem vagabundos, nem bad boys...

Embora o aviso acima da porta de entrada da lanchonete promete friendly service, os vilões recebem algo mais diferente quando entram para jantar. Numa cena furiosa em que abre um buraco em cada personagem, Cronenberg coreógrafa um tiroteio. O contato deixa ambos os visitantes mortos – o diretor prolonga a câmera no rosto destroçado por desconfortáveis segundos – e Tom é declarado um herói americano. A mídia não desgruda dele, assim como três sujeitos (incluindo Ed Harris), cujos óculos, carro preto (aparentemente um luxuoso Chrysler) e um forte sotaque sugerem que não estamos mais presenciando uma cena em Kansas (ou Hollywood), mas em algum lugar ao norte de “Mullholland Drive”, de David Lynch ou no oeste de “Dogville” de Lars von Trier.

Assim como nesses filmes, “Marcas da Violência” explora o mito e o significado da América (ou ao menos um retrato) através de seus sonhos, pesadelos e fanatismos. Mas, enquanto David Lynch envolve a violência com erotismo, misturando batom e sangue, e Lars von Trier seja mais didático para mostrar suas idéias, Cronenberg é frio. Ele sabe que filmes de violência intrigam: o espectador namora e beija o bang-bang. Há algo inegavelmente atraente nas ações heróicas de Tom - primeiro, dando força ao filhho, após o mesmo ter brigado na escola; depois, inspirando uma cena tórrida que deixa sua mulher em brasas. Mas, também, há algo de irreparável e não nobre aqui.

Enquanto retratada numa pequena cidade dos EUA, o aspecto irreal da vila deixa-nos claro que nada acontece aqui e agora, mas num pedaço do mundo – e o espectador não sabe disso – que parece um filme. Cronenberg visa ao vício pelo cinema violento, àquelas sedutoras e heróicas auto-justificativas que são vendidas ao mundo. De forma dura, quanto mais violento o filme fica, mas reais Tom e sua família se tornam.

Isso soa mais cruel ou ao menos duro do que esse inteligente, ágil e cáustico filme mostra. Soberbamente interpretado pelo elenco principal - com destaque para Maria Bello - inclusive William Hurt, que nos devia uma grande atuação, e aparece ao final do filme, “Marcas da Violência” mostra um diretor no auge de sua forma. Imperdível.



Marcas da Violência (A History of Violence)
2005 – EUA - 97 min. – Colorido – DRAMA
Direção: DAVID CRONENBERG. Roteiro: JOSH OLSON, baseado na graphic novel de JOHN WAGNER e VINCE LOCKE. Fotografia: PETER SUSCHITZKY. Montagem: RONALD SANDERS. Música: HOWARD SHORE . Produção: CHRIS BENDER e J.C. SPINK, distribuído pela NEW LINE CINEMA.

Elenco: VIGGO MORTENSEN (Tom Stall) MARIA BELLO (Edie Stall), ED HARRIS (Carl Fogarty), ASHTON HOLMES (Jack Stall), HEIDI HAYES (Sarah Stall), STEPHEN McHATTIE (Leland Jones), GREG BRYK (Billy Orser), PETER MacNEILL (Xerife Sam Carney), SIGRID VON RICHTHOFEN (Srta. Mayr), e GERD VESPERMANN (Bobby).


Trailer Original:


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