terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

O SELVAGEM DA MOTOCICLETA

"O tempo é uma coisa muito divertida."

As nuvens cruzam depressa no céu. O Selvagem da Motocicleta (Mikey Rourke) é um antigo chefe de uma gangue, que se mudou para a Califórnia e vagabundeia pela cidade como um fantasma. Entretanto, todos na cidade falam dele como se fosse uma lenda, um mito. Rusty James (Matt Dillon) tem seu irmão como modelo, vive com o pai alcoólatra (Dennis Hopper) , falta à escola para joga bilhar, fuma, bebe, engana sua noiva Patty (Diane Lane) e perambula pelas ruas com seus amigos Smokey (Nicolas Cage) e B.J. (Christopher Penn). Um dia, o Selvagem da Motocicleta regressa à casa. Rusty James fica ansioso para viver as aventuras e emoções com seu irmão. Mas seu o Selvagem não é mais o mesmo...

Francis Ford Coppola filmou “Rumble Fish” no mesmo ano que “The Outsiders” (1983), ambos com os roteiros baseados em obra da escritora S.E. Hinton. Porém, enquanto o segundo é um filme convencional do gênero – um drama sobre a juventude ambientado nos anos sessenta – o primeiro resulta em uma obra muito mais completa que não pode ser classificada de forma tão facilmente. Em que época se passa? A jaquetas de couro e camisetas sugerem os anos cinqüenta, mas as motos são de modelos dos anos oitenta; as locações, com as escadas de incêndio e seus pátios remetem ao universo de “West Side Story” (1961).

Está claro que Coppola não teve nenhum interesse em dar profundidade e originalidade à estória. No lugar disso, utilizou como referência elementos familiares ao gênero de gangues de rua. Assim, pode-se afirmar que “Rumble Fish” não é um retrato social dos anos oitenta, mas sim uma espécie de “metafilme” do gênero, onde os elementos clássicos – lutas por liderança e disputas com gangues rivais – mostram-se como clichês.

O jeito durão de Rusty James e sua atitude chula não são mais do que gestos vazios que mostra seu esforço inútil em imitar o irmão mais velho. O conflito entre os dois é o ponto de tensão do filme. Rusty James não tem ideais, não possui amigos leais e verdadeiros, nem tendo sequer estudado. Seu irmão é seu único ídolo; além disso, seus sonhos de vida são retirados da ficção, dos contos e lendas sobre guerras entre grupos rivais. Ao contrário, o Selvagem da Motocicleta, com seu sorriso quase budista, já vivenciou essas brigas, que o marcaram para sempre -possui marcas de queimadura, é daltônico e não deseja que ninguém o venere.

A linguagem visual de Rumble Fish é pouco convencional e busca sustentação nas convenções dos dramas do gênero. Coppola e o diretor de fotografia Stephen H. Burum criaram imagens de impressionante beleza, composições trabalhadas até nos menores detalhes, desde as nuvens que passam no céu até as sombras geométricas de uma escada de incêndio que sobe pela parede de uma casa.

Com um nível narrativo cheio de simbologias e altamente visual, o tempo é uma presença constante. Em uma seqüência do filme, os irmãos encontram-se diante de um relógio sem ponteiros: o tempo do Selvagem já passou; Rusty James vive no passado e tem um futuro mais do que incerto. Quando Benny (Tom Waits) comenta em tom filosófico que “o tempo é uma coisa muito divertida”, ouve-se claramente o “tic-tac” do relógio do primeiro plano. Este e outros símbolos evidentes (a bola preto do bilhar, a névoa negra que cobre o horizonte...) fascinam e irritam de um certo modo.

Mesmo que sejam esteticamente belos, soam banais e muito óbvios, do ponto de vista de conteúdo. As imagens mais poderosas – extremamente importantes como elemento de cor num filme preto e branco – são os peixes exóticos. Esses animais que os jovens observam numa vitrine de uma loja são tão agressivos que têm que ficam separados no aquário, pois atacam seu próprio reflexo no vidro. São símbolos da energia autodestrutiva do Selvagem. Em outra seqüência colorida, aparece o reflexo de um Rusty James que se observa na janela de um carro policial. Trata-se, talvez, de uma visão fiel de si mesmo , enquanto abandona a cidade e parte para a Califórnia.



O Selvagem da Motocicleta (Rumble Fish)
1983 - EUA - 94 min. – Preto e Branco - Drama
Direção: FRANCIS FORD COPPOLA. Roteiro: S.E. HINTON e FRANCIS FORD COPPOLA, baseado na obra de S.E. HINTON. Fotografia: STEPHEN H. BURUM. Montagem: BARRY MALKIN. Música: STEWART COPELAND. Produção:DOUGH CLAYBOURNE e FRED ROOS para a HOTWEATHER FILMS e ZOETROPE STUDIOS.

Elenco: MATT DILLON (Rusty James), MICKEY ROURKE (o Selvagem da Motocicleta), VINCENT SPANO (Steve), DIANE LANE (Patty), DIANA SCARWID (Cassandra), NICOLAS CAGE (Smokey), CHRISTOPHER PENN (B.J. Jackson) e TOM WAITS (Benny).


Trailer Original:

Um comentário:

Hugo disse...

Este filme foi um grande mudança no estilo de Coppola, ele que fez os clássicos da década de setenta "O Poderoso Chefão I e II", "A Conversação" e "Apocalipse Now", vinha do fracasso de "O Fundo do Coração" e resolveu apostar nestas duas histórias de S. E. Hinton e fez dois filmes muito interessantes e concordo quando você diz que "O Selvagem de Motocicleta" é melhor. O clima dos anos cinquenta, a fotografia em preto-e-branco e até a atuação de Mickey Rourke são os pontos altos do filme.

Abraço