segunda-feira, 31 de março de 2008

SENHORES DO CRIME

“Ela tinha quatorze anos. Era apenas uma criança .”


A história de "Senhores do Crime" é dura e violenta, situada no submundo da máfia de um grupo de expatriados russos em Londres. Dirigido por David Cronenberg, a partir do roteiro de Steve Knight, recupera um sem número de temas e motivos do gênero: os laços de família e culturais que unem as organizações criminosas; o drama edipiano; a honra entre os chefões. O público embarca na companhia de uma inocente parteira (Naomi Watts), que se encontra fascinada e enojada, mas também em apuros. Embora muito do tema já seja conhecido – incluindo o tom da narrativa e a caracterização dos personagens – muito pouco sobre “Senhores do Crime” parece previsível ou dejà vu. Desde seus primeiros filmes de horror de baixo orçamento à sua atual ascensão como um dos favoritos da crítica internacional, David Cronenberg sempre demonstrou ser um mestre das esquisitices.

Ele e seu diretor de fotografia, Peter Suschitzky, filmam nas escuras e chuvosas ruas londrinas, em tons e cores que deixam a cidade muito emocionante e sinistra. O diretor age deliberadamente, de forma contida – a forma com que prolonga as cenas em mais de uma tomada, como se estudasse a expressão dos atores em busca de pistas – transforma o que poderia ter sido um suspense comum em algo genuinamente perturbador.

Muito dos créditos se deve ao roteiro de Knight, no sentido em que ele pontua não somente os aspectos sociais e éticos, mas também seus problemas e reviravoltas. “Senhores do Crime,” assim como outros filmes recentes, trata fundamentalmente escandalosa escravidão moral, do tráfico de pessoas e da miséria humana que ainda persiste – em segredo e subterrâneos – mesmo em modernas cidades do mundo ocidental. “Senhores do Crime” lida com as conseqüências do comércio sexual, particularmente envolvendo mulheres e adolescentes da ex- União Soviética.

O personagem de Naomi Watts, Anna, é uma parteira de um hospital londrino – filha de um russo e de uma inglesa (Sinead Cusack) — obcecada com o passado de um bebê cuja mãe morreu dando à luz. A mãe era uma adolescente, cujo diário deixado, além de retratar toda a terrível exploração a que foi submetida poderá esclarecer algo sobre a identidade de seus torturadores.

Anna seuge pistas que a levam a um elegante restaurante russo, cujo proprietário, Semyon (Armin Mueller-Stahl), é um monstro de fala mansa. Quando não está decorando bolos de aniversário, para exilados, Semyon encabeça um ramo local da Vory v Zakone, uma espécie de Casa Nostra russa, surgida nos campos de refugiados da era Stalin, e cujos membros são conhecidos – assim como os japoneses da Yakuza – por tatuagens em todo o corpo.

Anna, que não fala russo, nada sabe sobre a máfia, mas seu mau humorado tio (interpretado pelo diretor polonês Jerzy Skolimowski), aconselha-a afastar-se deles. Entretanto, vários fatos acontecempara que ela se encontre envolvida. Além do seu desejo em desvendar a morte da adolescente e proteger o bebê, parece existir um traço de sentimentalismo, de curiosidade que uma segunda geração de imigrantes sente a respeito sua pátria de origem. Também, há Nikolai, o educado e ambicioso ex-condenado que trabalha como braço capataz do problemático e impulsivo filho de Semyon, Kirill (Vincent Cassel).

Nikolai, que se mostra fiel a Semyon, é interpretado com um auto controle impecável, por Viggo Mortensen. Esse ator faz-nos lembrar do grande Kirk Douglas – embora este nunca tenha sido tão contido nos papéis que protagonizou. Em “Senhores do Crime”, Viggo Mortensen encarna sem falhas um cara decente, do tipo comum e pacato, mas também um frio assassino profissional. Nikolai é um personagem ao mesmo tempo ambíguo e dividido, em conflito. É duro, tenso, embora sinais de compaixão surjam em alguns momentos na expressão impassível e fria de seu rosto.

“Senhores do Crime” intriga, com seu misto de nuances e atitudes. Há, como smpre nos filmes de Cronenberg, cenas de grande brutalidade que extraplam a sensação puramente visual, que você quase chega a sentir fisicamente – numa delas, um duelo com facas dentro de uma sauna, com Mortensen vestido somente com suas tatuagens, poderá tornar-se um fetiche para cinéfilos de todos os tipos.

O rigor da direção de Cronenberg parece estranho, considerando o humanismo do roteiro de Knight; porém, o diretor não deixa que isso descambe para o piegas. Enquanto o roteirista tenta aprofundar-se nas mais fortes emoções, Cronenberg insiste em ocultá-las. O resultado é um filme cujas imagens e enredo são difíceis de esquecer facilmente.



Senhores do Crime (Eastern Promises)
2007 – EUA - 100 min. – Colorido – DRAMA
Direção: DAVID CRONENBERG. Roteiro: STEVE KNIGHT. Fotografia: PETER SUSCHITZKY. Montagem: RONALD SANDERS. Música: HOWARD SHORE. Produção: PAUL WEBSTER e ROBERT LANTOS, distribuído pela FOCUS FEATURES.

Elenco: VIGGO MORTENSEN (Nikolai) NAOMI WATTS (Anna), VINCENT CASSEL (Kirill), ARMIN MUELLER-STAHL (Semyon), SINEAD CUSACK (Helen) e JERZY SKOLIMOWSKI (Stepan).


Trailer Original:




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