domingo, 2 de março de 2008

RATATOUILLE

" Nem todo mundo pode ser um grande artista. Mas, um grande artista pode vir de qualquer lugar."

O herói é Remy (Patton Oswalt), um jovem rato que mora em algum lugar do interior da França e possui uma paixão por culinária sofisticada. Criado por “comedores de lixo”, Remy é atraído por uma sensibilidade palatar e pelo exemplo de Auguste Gusteau (Brad Garret), um famoso “chef du cuisine” que insiste a todo tempo “que todo mundo pode cozinhar”. O famoso mestre cuca já morreu e conversa com Remy nos momentos mais difíceis, tirando dúvidas e funcionando como um alter-ego do protagonista, fazendo-nos lembrar Bonaparte e Julien Sorel, em “O Vermelho e o Negro”, de Stendhal.

O que Remy descobre é que todos, incluindo seu irmão aculturado, pode aprender a apreciar sabores intensos e incomuns – traduzir as reações do olfato e paladar por meio de sons e imagens é um difícil desafio, que consegue ser vencido com uma ingenuidade e simplicidade de tirar o chapéu, tanto do diretor quanto de Michael Giacchino, que compôs uma trilha sonora espetacular. A vocação culinária que torna Remy famoso o faz trilhar um caminho solitário, que o separa de sua família e amigos, levando-o à aventura, que tantos jovens antes dele tentaram, de procurar sua sorte em Paris. “La Ville Lumière”, com seus paralelepípedos e sótãos, é maravilhosamente concebida no filme.

Percebe-se de cara um completo domínio de textura e detalhes sensoriais – nos pêlos molhados do ratinho e nas ranhuras que brilham na impressão dos potes de cobre, bem como na umidade da superfície dos vegetais cortados e em inúmeros outros detalhes.
Individualmente, os ratos são muito interessantes, mas a visão de centenas deles adentrando a cozinha e as mesas é meio desagradável; porém, o diretor conhece os limites a que se deve chegar.

Talvez por causa da animação, particularmente pela intenso uso de digitação gráfica, por ser uma obra com a participação de tantos profissionais e um produto tão bem acabado – percebe-se o vultoso capital investido – acostumamos a associar os desenhos animados a seus autores empresariais: Disney, DreamWorks, Pixar e assim por diante. Mas, enquanto os efeitos especiais de “Ratatouille” demonstram uma marca registrada da Pixar, a sensibilidade que comanda a estória é marcadamente do diretor, como comentou-me em SP um conhecedor em animação.

O diretor Bird evita os usuais clichês de filmes infantis, demonstrando que uma estória simples e acessível ao grande público pode também ser inteligente e imprevisível. Na composição dos personagens, abre mão do uso de vozes de celebridades do cinema e, ao mesmo tempo, sendo tão dócil, Remy chega também a ser ácido, exigente e inseguro. Além disso, seu conflito moral – entre a família e a ambição pessoal – é conduzido com sutileza e complexidade incomuns, que os acertos e soluções dadas ao desfecho do filme soam mais muito naturais, sem nenhuma predeterminação.

E, enquanto o filme prende o espectador pela ação e os incidentes – incluem-se as perseguições, as escapadas e correrias e a ágil “coreografia” na cozinha – não há a tentativa subjugar ou oprimir o espectador pelo excesso de frenetismo. Ao contrário, o diretor integra estória e espetáculo com leveza, na dose certa, digna de um Vincente Minelli em seus melhores musicais, e molda o conto da carreira de Remy com situações e personagens interessantes.

Uma vez que nenhum restaurante parisiense deixaria um rato sobreviver em sua cozinha, Remy fecha um acordo com um desafortunado ajudante de cozinha chamado Linguini (Lou Romano), que faz as receitas de Remy, através um uma engenhosa (e hilariante) forma de controle – como usada em fantoches. A responsável por Linguini é Colette (Janeane Garofalo), uma durona sub-chefe de cozinha que, involuntariamente, torna-se a rival do roedor na disputa da atenção de Linguini. Mesmo os personagens menores – os assistentes de cozinha, os garçons, o inspetor sanitário – são marcantes.

O que está em jogo em Ratatouille não é somente a ambição de Remy, mas também a sagrado legado de Gusteau, cujo fantasma ocasionalmente aparece para ele e cujo restaurante está em franca decadência. Parte do problema se deve ao sucessor de Gusteau, Skinner (Ian Holm), que usa o nome e reputação do antigo mestre para montar uma linha de alimentos congelados.

Contra ele, Remy e o diretor Bird partem para a defesa de uma abordagem artesanal que valoriza tanto a tradição como o talento individual: receitas clássicas reeditadas com arrojo e criatividade. O grande clímax do filme, e a origem de seu título, é o preparo de um prato rústico à base de verduras – feito com força e inspiração e submetido, como aparece, a um crítico gastronômico.
Ao deparar-se com o tal ratatouille, o que o gatrônomo poderia dizer? Algumas vezes, a melhor resposta é a mais simples. Outras, “Obrigado” é o bastante.



Ratatouille (Ratatouille)
2007 – EUA - 110 min. – Colorido – DESENHO ANIMADO
Direção: BRAD BIRD. Roteiro: BRAD BIRD, baseada na estória de JAN PINKAVA, JIM CAPOBIANCO e BRAD BIRD. Fotografia/Iluminação: SHARON CALAHAN. Fotografia/Câmera: ROBERT ANDERSON. Supervisão de Animação: DYLAN BROWN e MARK WALSH. Montagem: DARREN HOLMES. Música: MICHAEL GIACCHINO. Produção: BRAD LEWIS; distribuído pela WALT DISNEY PICTURES e PIXAR ANIMATION STUDIOS.

Vozes: PATTON OSWALT (Remy), IAN HOLM (Skinner), LOU ROMANO (Linguini), BRYAN DENNEHY (Django), PETER SOHN (Emile), BRAD GARRETT (Auguste Gusteau), JANEANE GAROFALO (Colette) e PETER O´TOOLE (Anton Ego).

Trailer Original:

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