terça-feira, 17 de junho de 2008

ABRIL DESPEDAÇADO

“A tua vida agora tá dividida em dois.”


Situado no sertão nordestino, em 1910 (baseado no livro de Ismail Kadaré), o filme relata a cruel roleta russa que consome duas famílias rivais de plantadores e cana de açúcar. A morte de cada membro de uma família é vingada pela outra rival e assim sucessivamente até que haja a dizimação de uma delas. Em cada parede das casas há retratos das pessoas marcadas para morrer – que, na verdade, já foram mortas. Velas são colocadas sobre as fotos e suas camisas manchadas de sangue são penduradas ao relento, conforme a regra estabelecida no lugar. Até que a camisa de sangue esteja seca e sua coloração fique amarela, o ciclo fica interrompido (ninguém pode ser morto), dando, assim, uma trégua à próxima vitima e a seu assassino.

Os dois clãs, os Ferreiras e os Breves, são marcados por um código de honra quase feudal. A família Breves parece ter sido a mais desafortunada. Seus inimigos são mais prósperos e mais numerosos – o patriarca cego mora num casebre junto com os netos e respectivas esposas, enquanto os Breves estão reduzidos a um núcleo familiar de três pessoas, um moinho de cana e um par de bois envelhecidos e exaustos.

O filho mais velho da família Breves, Inácio, é morto e, segundo a tradição, o pai furioso (José Dumont) manda Tonho (Rodrigo Santoro), seu filho do meio, defender a honra da família. Walter Sales filma essa perseguição nas plantações de cana, de forma marcante, com edição nervosa e bem feita. Embora viva num mundo em que os mortos comandam os vivos, como diz a mãe de Tonho (Rita Asseamany), ele repudia essa lei do olho por olho, dente por dente. "Abril Despedaçado" é filmado sob a ótica do caçula da família Breves, cujos pais não lhe deram nome. O garoto (Ravi Ramos Lacerda) adora Tonho e é o único membro da família que expressa o desejo de cessar essa insensata tragédia familiar.

Walter Salles já havia mostrado anteriormente em "Central do Brasil" (1998) o ambiente violento e pobre dos centros urbanos e mostra aqui sua habilidade em lidar de forma honesta, sem restrições e, até com certa dose de romantismo, com historias duras e cruéis. A fotografia de Walter Carvalho dá um clima austero e belo à paisagem vazia e monocromática do sertão e aos personagens.

Esse cenário duro é aliviado pela chegada de uma dupla de saltimbancos – fazendo-nos lembrar de "A Estrada da Vida", de Fellini e "Bye Bye Brasil", de Cacá Diegues – que chegam com seu circo mambembe. Clara (Flavia Marco Antonio), uma engolidora de fogo, dá ao irmão de Tonho um livro e, seu companheiro, Salustiano (Luís Carlos Vasconcelos), dá-lhe um nome - Pacú. Clara torna-se uma fantasia na vida de Pacú – ele a identifica como a sereia do livro, o qual ele não consegue ler -, bem como objeto de desejo de Tonho.

Todo o elenco está irrepreensível. Walter Salles mostra que depois de Hector Babenco (embora esse seja de origem argentina) é o melhor diretor de atores do cinema brasileiro na atualidade. Rodrigo Santoro, sob sua batuta, nos dá uma interpretação segura e honesta.

"Abril Despedaçado" mostra a tentativa de Pacú livrar-se junto com seu irmão do fatalismo implacável que rege suas vidas. O custo dessa luta é devastador, mas permeada de otimismo. O filme espelha a expectativa difícil de viver num mundo moderno, quando tudo que gira ao seu redor não aponta para uma saída fácil.




"Abril Despedaçado" (Abril Despedaçado)
2001 – BRASIL - 105 min. – Colorido – DRAMA
Direção: WALTER SALLES. Roteiro: WALTER SALLES, SÉRGIO MACHADO e KARIM AINOUZ, baseado na obra “Abril Despedaçado”, de Ismail Kadaré. Fotografia: WALTER CARVALHO. Montagem: ISABELLE RATHERY. Música: ANTONIO PINTO. Produção: ARTHUR COHN.

Elenco: JOSÉ DUMONT (Pai) RODRIGO SANTORO (Tonho), RITA ASSEMANY (Mãe), LUIS CARLOS VASCONCELOS (Salustiano), RAVI RAMOS LACERDA (Pacú), FLÁVIA MARCO ANTONIO (Clara), EVERALDO PONTES (Velho cego), CAIO JUNQUEIRA (Inácio), MARIANA LOUREIRO (Viúva), SERVÍLIO DE HOLANDA (Isaías), WAGNER MOURA (Matheus) e GERO CAMILO (Reginaldo).

Trailer Original:


Do mesmo diretor:



Central do Brasil

11 comentários:

Dr Johnny Strangelove disse...

Tó devendo comentario aqui ...
e ainda mais que bizonhamente ainda não vi esse filme ...
tenho que tomar vergonha logo ...

Anônimo disse...

Acho que esse foi um dos primeiros filmes que eu vi e pensei "Num é que o Rodrigo Santoro é bom?" rs... Excelente filme...

Miguel Andrade disse...

Tô precisando que alguém me empreste este DVD... ;)

Robson Saldanha disse...

Quero muito ver esse filme, ele sempre me chamou atenção! Acho o nome excelente!

Anônimo disse...

Johnny, nem esquenta. O filme merece ser visto.

Cara, o Rodrigo Santoro é um ator que necessita de um diretor para conduzi-lo a uma boa performance.Walter Salles consegue isso.

Miguel, este é um daqueles filmes que merecem ser adquiridos. Bacana.

Robson, veja e creio que não irá se arrepender

Miriam disse...

Amei, vale a pena ver. Riquíssimo em detalhes. Uma fotografia nota 10 Além de um enredo muito interessante.A atuação do Rodrigo é excelente,
Beijos.

Anônimo disse...

Queria ver este filme. Já recebeu diversas críticas elogiosas.

Anônimo disse...

Miriam,Walter Salles estava inspirado. Entretanto, apesar de bom, o Nordeste parece estilizado em excesso.Abcs.

Ibertson, veja; creio que vai gostar.

Marcel Gois disse...

ainda não vi. mas já estava aqui na listinha, muito em breve pretendo assisti-lo. =D

Pedro Henrique Gomes disse...

Posso estar forçando a barra, mas achei "Abril Despedaçado" tão bom quanto "Central do Brasil"

Anônimo disse...

Marcel, assista.

Pedro, concordo com vc. No conjunto, Central do Brasil é superior.