segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

FRENESI

"Sr.Rusk, vá sem gravata."

Como no início do magnífico Psicose (1960), em Frenesi a câmera varre pelo céu da cidade e penetra nos redutos da vida cotidiana, com seus pequenos delitos e seus grandes crimes. O cadáver de uma mulher na orla do Tamisa, descoberto durante uma conferência sobre a pureza da água, constitui o começo arrepiante e ao mesmo irônico de um trillher no qual, o virtuosismo e a fluidez narrativa de Hitchcock retrata de forma dramática a coexistência do sexo e violência, de forma aparentemente normal. E, como de praxe, Hitch aparece em cena como um camelo nas primeiras cenas do filme, interpretando o único ouvinte que não aplaude o término da conferência sobre contaminação da água.

No centro comercial londrino de Covent Garden, o feirante Bob Rusk (Barry Foster), que é um psicopata, estrangula mulheres utilizando gravatas. Paradoxalmente, a agitação do lugar serve de camuflagem perfeita para seus assassinatos. Como em tantos outros filmes de Hitchcock, todos os indícios levam a polícia a outro suspeito (amigo do assassino), Richard Blaney (John Finch), antigo aviador da marinha desempregado, sem bens e sem esposa. Enquanto a Scotland Yard se esforça com astúcia em busca do assassino, a ação se desenvolve de forma a pôr fim nesse jogo de pistas falsas – em uma das cenas de estupro mais radicais da história do cinema, o mestre envolve-nos em uma vertiginosa montagem de primeiros planos e planos gerais, testemunhando as tendências maníaco-sexuais de Bob Rusk, que resultam no assassinato de Brenda (Barbara Leigh-Hunt), ex mulher de Richard Blane.

A cena do estrangulamento de Brenda remete-nos ao famoso assassinato de Marion Crane (Janet Leigh) na seqüência da ducha em Psicose. Por outro lado, a terrível cena do homicídio reflete ao mesmo tempo o esforço físico que tem que ser feito para matar uma pessoa. Hitchcock já havia mostrado isso em Cortina Rasgada (1966). Mas, Hitchcock escolhe a hora certa de aflorar o terror, mesmo que não o mostre declaradamente - quando Bob Rusk convida Bárbara para sua casa, amiga de Blaney, a câmera movimenta-se aos poucos escada abaixo até a movimentada rua, deixando para a imaginação do espectador os macabros detalhes que estão ocorrendo simultaneamente.

Ainda que Rusk continue assassinando suas vítimas sem que nada o impeça, as tentativas de Blaney em evitar sua captura, através de um absurdo jogo de pega-pega, levam-no a sérios apuros. Aparentemente, não há nenhuma escapatória. Nem mesmo assassinato seguinte de Rusk, o de Bárbara, a ex-mulher de Blaney, e a presença da prova – um alfinete de sua gravata na mão rígida da vítima - constituem provas convincentes em relação ao verdadeiro assassino. Somente dão lugar a uma grotesca eliminação de provas em um caminhão de batatas.

Tampouco em outras tomadas, Hitchcock abre mão do humor negro e das ironias deste tipo. São especialmente valiosas, literalmente, as tentativas desesperadas do inspetor Oxford, em colocar-se à altura do interesse que sente sua mulher com o gosto pela cozinha francesa. Nisso consiste a desconcertante peculiaridade dos filmes de Hithcock – a alternância de momentos extremamente dramáticos e de humor absurdo, que alcançam seu ápice em Frenesi, sua última obra .

Ao mesmo tempo, Frenesi é um retrato da cultura cinematográfica dos anos 70, que vai se liberando paulatinamente das rígidas normas de produção vigentes, ao representar o sexo e a violência. Mas, ainda que este filme Hitchcock rompa todas os ditames cenográficos do código de produção, no final a investigação policial aponta para o homicida da forma mais convencional.



Frenesi (Frenzy)
1972 – INGLATERRA/EUA - 116 min. – Colorido - SUSPENSE
Direção: ALFRED HITCHCOCK. Roteiro: ANTHONY SHAFFER, baseado no livro GOODBYE PICCADILLY, FAREWELL LEICESTER SQUARE, de ARTHUR LA BERN. Fotografia: GILBERT TAYLOR. Montagem: JOHN JYMPSON. Música: RON GOODWIN. Produção: ALFRED HITCHCOCK para UNIVERSAL PICTURES.

Elenco: JON FINCH (Richard Blaney), BARRY FOSTER (Robert Rusk), BARBARA LEIGH-HUNT (Brenda Blaney), ANNA MASSEY (Babs Milligan), ALEC MCGOWEN (Inspetor Chefe Oxford), VIVIEN MERCHANT (Mrs. Oxford), MICHAEL BATES (Sargento Spearman), BILLIE WHITELAW (Hetty Porter), BERNARD CRIBBINS (Felix Forsythe) e JEAN MARSH (Monica Barlin).


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domingo, 24 de fevereiro de 2008

ERA UMA VEZ NA AMÉRICA

"Gosto do fedor das ruas. Limpa meus pulmões."

Lower East Side de Manhattan, 1923: o garoto judeu Noodles e seus quatro amigos, todos malandros de rua como ele, tentam extorquir um bêbado. Mas desistem quando um estranho, Max, aproxima-se. Esse será o começo de uma estreita amizade que unirá Noodles e Max durante mais de quarenta anos. Depois de dedicar-se às mais diversas atividades ilegais, ambos separam-se e voltam a encontrar-se em circunstâncias diferentes.

Desde a adolescência, Max e Noodles mostram um instinto para negócios. Com o ímpeto da juventude, dedicam-se a comercializar bebidas alcoólicas no mercado negro, durante o período da Lei Seca. Primeiro, através de gângsters mais experientes e, depois, por conta e risco próprios. Fazendo isso, vão longe demais: negam-se a pagar sua parte ao chefão local e este mata o mais jovem do grupo. Noodles inicia uma vingança sangrenta e, na disputa, mata um policial. Noodles é preso e condenado a dez anos de prisão.

Quando é libertado, Noodles volta novamente aos seus antigos amigos, que durante o período transformoram as atividades do grupo em um império de negócios fraudulentos, entre eles uma taverna clandestina. Max (James Woods), Noodles (Robert de Niro) e seus amigos Patsy (James Hayden) e Cockeye (William Forsythe) se convertem, assim, em "peixões" do crime organizado de Nova Iorque.

Prostituição, contrabando de bebidas e roubo de jóias são para eles parte de suas rotinas. Também, alguns empresários, cujos trabalhadores estão em greve, contratam seus serviços para que "convençam" seus empregados voltarem ao trabalho. Noodles é, de todos, o menos ambicioso, um bandido da velha guarda, que dá importância a valores como lealdade e amizade. Max, por outro lado, é um moderno e ambicioso homem de negócios, cuja cobiça o leva à idéia suicida de assaltar o FED. Noodles vê-se obrigado a proteger seu amigo de si mesmo...

A força do relato cronológico de "Era Uma Vez na América", de Sergio Leone, não é fácil de ser notado na grande tela. Ainda que a história seja apaixonante, a direção de arte impecável, a trilha sonora de Ennio Morricone nostálgica e a fotografia de Tonino Delli Colli nos ofereça cenas repletas de poesia que chegam a tirar o fôlego, a verdadeira força motriz do filme recai no estilo narrativo - uma montagem virtuosa de tomadas em flashbacks.

"Era uma Vez na América" é contado em três níveis cronológicos diferentes - a infância de Noodles (1923); seu amadurecimento (1933) e sua velhice (1969). No que poderia ser um ínicio de filme de trinta minutos, ele enfatiza os dois últimos periodos. Por várias vezes, a trama se situa na infância do protagonista e, a partir deste ponto, desenvolve-se mais ou menos cronologicamente com algum salto ocasional para o "futuro" de Noodles. A mastria narrativa de Leone fica patente no toque do telefone, que confunde o espectador ao interligar três cenas no início do filme. Toca o telefone durante uma sequência em que Noodles fuma ópio; segue tocando em outra cena que se desenvolve em uma rua e, finalmente, alguém coloca o aparelho em um bar. Somente, no final do filme. quando a conversa é retomada, nos damos conta de sua importância.

O filme é cheio de situações de pura magia, tal qual o garoto louco para perder a virgindade - aguarda a menina, sentado na escada, com um pedaço de bolo para presenteá-la. Ao demorar, ele não resiste à tentação e come o doce - o despertar do desejo em uma criança raramente foi expressado de forma tão sublime na telona.

Com seu estilo narrativo, Leone nos oferece um entretenimento cheio de quebra-cabeças, que deve ser montado conforme o desenvolvimento da trama. Essa estrutura, que pode ser interpretada como o processo de evocação de Noodles a respeito de sua própria vida, determina toda a atmosfera do filme. No ínicio, vemos um velho herói vencido e encurralado, buscando o esquecimento no ópio, que volta a recordar seu passado.

Esta triste passagem no início do filme, dota a história de um clima melancólico que permeia o filme todo. Desde o princípio, já sabemos que não assistimos somente as aventuras de um grupo de garotos em busca de sobrevivência pelas ruas - mesmo que o seu entusiamo nos atinja ou, posteriormente, nos hipnotize com a atitude irônica e autocomplacente dos velhos gângsters.

Vale destacar também que o filme não glorifica em nenhum momento os protagonistas, não os torna heróis. E, além disso, preocupa-se em mostrar o alto preço a ser pago pelo estilo de vida que adotaram. Por outro lado, e muito mais grave, fica aparente a incapacidade dos protagonistas para conviverem em harmonia na sociedade. Noodles é incapaz de manter uma relação com Deborah (Elizabeth McGovern), a mulher que ama desde a infância. O ponto máximo de humilhação de ambos ocorre quando ele a violenta porque Deborah não quer abandonar Nova Iorque. No filme, o sexo equipara-se constantemente à violência e ao poder. No final, sequer a amizade sobrevive. O víncuulo entre Noodles e Max rompe-se quando este último o trai.

"Era Uma Vez Na América" não é somente uma história que fala sobre a amizade e que faz homenagem aos filmes clássicos de gângsters de Hollywood, mas também é uma visão do lado obscuro do sonho americano e um final amargo para a trilogia de Leone. Cinema em grande estilo.



Era Uma Vez Na América (Once Upon a Time in America)
1983 - EUA/ITÁLIA - 167 min. – Colorido - DRAMA
Direção: SERGIO LEONE. Roteiro: SERGIO LEONE, LEONARDO BENVENUTI, PIERO DE BERNARDI, ENRICO MEDIOLI, FRANCO ARCALLI e FRANCO FERRINI, baseado no livro THE HOODS, de HARRY GREY. Fotografia: TONINO DELLI COLLI. Montagem: NINO BARAGLI. Música: ENNIO MORRICONE. Produção: ARNON MILCHAN para EMBASSY INTERNATIONAL PICTURES, WARNER BROS., WISHBONE, PSO INTERNATIONAL e RAFRAN CINEMATOGRAFICA.

Elenco: ROBERT DE NIRO (David Noodles Aaronson), JAMES WOODS (Max), ELIZABETH MCGOVERN (Deborah), JENNIFER CONNELY (Deborah, criança), TREAT WILLIAMS (Jimmy O´Donell), TUESDAY WELD (Carol), BURT YOUNG (Joe), JOE PESCI (Frankie Monaldi), DANNY AIELLO (Chefe de polícia Aiello) e WILLIAM FORSYTHE (Philip Cockeye Stein) e JAMES HAYDEN (Patrick Patsy Goldberg).


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sábado, 23 de fevereiro de 2008

DE VOLTA PARA O FUTURO

"Que diabo é John F. Kennedy?."

Os relógios avançam em uma tela escura. A câmera mostra lentamente dezenas de despertadores, relógios automáticos e e parede; a partir das primeiras cenas, dezuzimos que "De Volta para o Futuro" se ocupa do fenômeno do tempo. Os eletrodomésticos, acionados por um temporizador, movevem-se como loucos. Torradas queimadas torram uma a uma, um braço de robô joga sem parar comida para cachorros numa tigela transbordada de cheia que leva a inscrição "Einstein", uma cafeteira assoviando derramando um bocado de café, etc. A segunda conclusão a que chegamos é que a ciência e tecnologia são suscetíveis a mudanças e necessitam de controle humano. Parece que tudo se reduz à escolha do momento adequado para se fazer as coisas. É uma mostra elegante e sucinta, sem teorias mirabolantes; quem esperava deste filme um discurso pedante e chato sobre o tempo e a tecnologia ficaram decepcionados, pois "De Volta para o Futuro" é um dos filmes mais bem sucedidos e divertidos dos anos oitenta. Não se trata somente de um retrato dos EUA e do pós-guerra, mas também de uma experiência sobre o fenômeno do tempo e seus avanços tecnológicos.

Hollywood tem a tendência de fazer uma auto-análise com roteiros ágeis e muito bem construídos, e este filme também funciona como um relógio. Em 1985, Marty McFly (Michael J. Fox) viaja três décadas de volta no tempo, através de uma máquina do tempo (na verdade um carro fora-de-série), construída pelo cientista maluco Doc Brown (Christopher Lloyd)- uma mistura de Einstein e professor Pardal. Ali, tem que resolver dois problemas, antes que possa "voltar ao futuro". Tem que encontrar uma fonte de energia capaz de proporcionar a potência necessária para viajar no tempo, dado que não se dispunha de plutônio em 1955, bem como fazer com que seus pais namorem, pois, caso isso não ocorra, ele não nascerá. O segredo deste filme é que o elenco e os cenários, onde ocorre a ação - a ambientação é quase tão real como o mostrado em "O Show de Truman" (1998), de Peter Weir - são absolutamente idênticos em 1955 e 1985, o que tornam mais evidentes as diferenças entre as duas épocas.

Segundo a célebre máxima de Karl Marx, a história se repete; primeiro, como tragédia e, depois, como farsa. Em "De Volta para o Futuro", Hollywood catapulta o público diretamente para a segunda. A família que Marty deixa para trás quando viaja a 1955 é formada por um conjunto de patetas fracassados. No final do filme, quando Marty volta ao presente, depois dar dicas a seu pai, sua família fora transformada em yuppies por excelência - o exemplo perfeito do sonho americano dos anos oitenta.

Segundo a moral conservadora do filme, deveríamos buscar os erros cometidos no passado e tentar corrigi-los a tempo. Neste caso, "a tempo" significa antes do Movimento dos Direitos Civis, antes da Guerra do Vietnã, Woodstock e Watergate, de forma que o presente da artificial Hill Valley assemelhe-se com o sonho de algum dos assessores da campanha eleitoral do então presidente Ronald Reagan.

Visto no contexto da Era Reagan, "De Volta para o Futuro" é um filme muito importante - obviamente que a crítica à época identificara seu título com as intenções secretas de Reagan - de acordo com sua visão retrógrada do progresso. O mesmo Reagan aparece indiretamente no filme duas vezes - A Rainha de Montana (1954), com Barbara Stanwyck e Ronald Reagan, é projetado no cinema em 1955. Engraçado que, trinta anos são projetados filmes pornográficos no mesmo cinema.

E quando, em 1955, o jovem Doc Brown pergunta ao viajante do tempo quem será o presidente dos EUA em 1985, para tirar a prova, a resposta natural de Marty, "Reagan", não contribui em nada para aumentar sua credibilidade. Não obstante, esta e outras especulações servem simplesmente como um atrativo a mais e pertencem a outro nível de interpretação, porque, diante disso tudo, "De Volta para o Futuro" é uma comédia magnífica. Retrata duas gerações, valendo-se de alusões divertidas e inteligentes da cultura pop, e consegue evocar duas épocas da história americana posterior à Segunda Guerra Mundial - com muita ironia e sarcasmo.




De Volta para o Futuro (Back to the Future)
1985 - EUA - 111 min. – Colorido - Comédia/Ficção Científica
Direção: ROBERT ZEMECKIS. Roteiro: ROBERT ZEMECKIS e BOB GALE. Fotografia: DEAN CUNDEY. Montagem: ARTHUR SCHMIDT e HARRY KERAMIDAS. Música: ALAN SILVESTRI (tema de Huey Lewis e Chris Hayes). Produção: NEIL CANTON e BOB GALE para AMBLIN ENTERTAINMENT e UNIVERSAL FILM USA.

Prêmios: Oscar de Melhor Efeito Sonoro (Charles L. Campbell e Robert Rutledge)/1985.


Elenco: MICHAEL J. FOX (Marty McFly), CHRISTOPHER LLOYD (Dr. Emmett Brown), LEA THOMPSON (Lorraine Baines-McFly), CRISPIN GLOVER (George McFly), THOMAS F. WILSON (Biff Tannen), CLAUDIA WELLS (Jennifer Parker), MARC MCCLURE (Dave McFly), WENDIE JO SPERBER (Linda McFly), GEORGE DICENZO (Sam Baines) e JAMES TOLKAN (Sr. Strickland).


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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

FANNY E ALEXANDER

"Tudo pode acontecer, tudo é plausível e provável. O espaço e o tempo não existem."

Desde as primeiras cenas de Fanny e Alexander, Ingmar Bergman define sua posição e mostra claramente quais são suas intenções: o começo do filme aparece um menino contemplando um teatro de marionetes. Um a um desmonta todos os elementos da decoração. De igual modo, o garoto vai colocando a cara e desmascarando o mundo dos adultos. O ponto de vista deste filme é, sobretudo, do menino de 10 anos, e o drama se desenvolve a todo momento sob o olhar atento do jovem alter ego de Bergman.

Alexander (Bertil Guve) e sua irmã de oito anos (Pernilla Allwin) são os membros mais jovens dos Ekdahl, uma família que dirige um teatro de uma pacata cidade sueca no início do século XX. A avó é quem dita as normas do clã com sabedoria e paciência. A vida dos Ekdahl transcorre assim turbulenta e cheia de surpresas, oferecendo a Alexander constante inspiração para novos e fantásticos jogos. O garoto sonha em fazer uma carreira brilhante sobre os palcos, tal qual sua avó e mãe, mas a morte do pai mudará seus planos.

Ao morrer seu marido, Emilie (Ewa Frölig), a jovem viúva, casa-se com o bispo Edvard Vergerus (Jan Malmsjö). Em nome do amor e do respeito, renuncia à carreira de atriz e muda-se com seus filhos para a casa do bispo. No clima rígido(e hipócrita) de seu novo lar, as crianças vivem intimidadas e atormentadas. Mas Alexander é um rebelde. Na hora da oração à mesa, recita indecências pouco cristãs e com sua astúcia cruel e infantil consegue freqüentemente tirar seu padastro do sério. O bispo trata-o sem misericórdia e, em lugar do amor de Deus, Alexander conhece muito melhor o chicote e os métodos humilhantes da Inquisição. O lar havia se transformado para a mãe e seus filhos em um inferno puritano e a todos parece um milagre quando conseguem escapar dele.

O filme é uma colcha de imagens barrocas e de grande dramaticidade, onde Bergman elabora a matéria prima bruta de sua própria infância. A estória dos Ekdahl (não parece uma casualidade que o apelido da família nos lembre a do fotógrafo da obra de Ibsen, "O Pato Selvagem"), trata sobre a necessidade do teatro, da imaginação na vida humana. O próprio Bergman era filho de pastor e, talvez porisso, o filme não deixa dúvida sobre a opinião do diretor sobre a atitude de certos padres, para quem o amor e o temor a Deus não são mais que meros instrumentos de poder que utilizam com a finalidade de dominar e tiranizar sues semelhantes.

Oscar Ekdahl, o pai de Fanny e Alexander, morre de um infarto durante um ensaio de Hamlet, na qual interpretava o papel de espírito. Desde então, ajuda ocasionalmente seu filho , que se sente um pouco como o personagem de Shakespeare. Bergman completa assim de uma forma fluida sua história familiar de forma realista com uma pitada sobrenatural. O diretor se esforça também para contrastar o dionisíaco amor pela vida que se respira na casa dos Ekdahl com a opressiva disciplina da residência episcopal, e pretende explorar o inevitável conflito entre fantasia e razão.

Este filme tem uma duração de três horas e meia, mas foi feita uma versão para a televisão - de quatro episódios - com duração de 312 minutos. Para Bergman, Fanny Alexander mostra um balanço de sua vida e de sua obra. Ainda que nos últimos vinte anos o prestigioso diretor - morto no ano de 2007 - tenha dirigido inúmeros trabalhos para o teatro e televisão, este é até hoje, seu último longa-metragem para o cinema (para infelicidade de todos nós).Fanny e Alexander foi o primeiro filme estrangeiro a ganhar quatro prêmios Oscar. Sublime.



Fanny e Alexander (Fanny och Alexander)
1982 - SUÉCIA/FRANÇA/ALEMANHA - 187 min. – Colorido - Drama
Direção: INGMAR BERGMAN. Roteiro: INGMAR BERGMAN. Fotografia: SVEN NYKVIST. Montagem: SYLVIA INGEMARSSON. Música: DANIEL BELL. Produção: JÖRN DONNER para SWEDISH FILMINSTITUTE SVT 1, PERSONA FILM e TOBIS.

Prêmios: Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (Jörn Donner), Melhor Fotografia (Sven Nykvist), Melhor Direção de Arte (Anna Asp e Susanne Linghelm) e Melhor Figurino (Marik Vos-Lundh)/1982.



Elenco: BERTIL GUVE (Alexander), PERNILLA ALLWIN(Fanny), BÖRJE AHLSTEDT (Carl Ekdahl), ALLAN EDWALL (Oscar), EWA FRÖLING (Emilie), JARL KULLE (Gustav Adolf Ekdahl), GUNN WÄLLGREN (Helena Ekdahl), JAN MALSMSJÖ (Edvard Vergerus), HARRIET ANDERSSON (Justina), ANNA BERGMAN (Hanna Schwartz) e LENA OLIN (Rosa).


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BLADE RUNNER

"És tão diferente. És tão perfeito."

Los Angeles, ano 2019. Edifícios altos perdem-se nos céus nublados de poluição. As chaminés das fábricas soltam fumaça e a chuva ácida acumula-se entre os espaços que separam as gigantescas construções iluminadas com neon. As ruas da cidade estão povoadas por uma exótica miscigenação racial, ainda que os brancos se refugiem enormes prédios. Para alguns cuja permissão é dada, viver nas chamadas "colonias do mundo exterior" é a rotina. Para colonizar esses novos planetas, a companhia Tyrell Corporation desenhou os chamados replicantes. Esses andróides foram proibidos de visitarem a Terra. Entretanto, alguns desobedeceram essa regra e a patrulha dos blade runner têm a incumbência de caçá-los e destruí-los. Seria uma alusão ao Dia do Juízo Final, no qual somente os inocentes escapam do inferno? Pode ser. Nada neste filme rico em referências filosóficas e teológicas parece contradizer isso.

Rick Deckard (Harrison Ford) era um blade runner. Desiludido com esse caráter lacônico dos heróis do cinema noir, o ex-agente caminha pelas ruas molhadas pela chuva. Era o melhor em sua profissão e por isso é chamado por seus superiores para retornar à atividade, quando um pequeno grupo de replicantes - 2 homens e 2 mulheres - conseguem chegar a Los Angeles. Os andróides, programados para viverem até 4 anos, querem saber quanto tempo de vida ainda lhes resta e, assim, se é possível prolonga-la.

O líder dos replicantes, Roy Batty (Rutger Hauer) é loiro, forte, quase demoníaco. O encontro com seu criador, Eldon Tyrell (Joe Turkel), um Frankenstein futurista, resulta em uma profunda decepção. Tyrell que vive em uma pirâmide semelhante às construções maias e dorme em uma cama quase papal, não escuta as súplicas de Roy para prolongar sua vida. Assim, Roy, o anjo caído, mata seu criador, pai e Deus ao mesmo tempo.

O filme Blade Runner - baseada no livro "Os andróides sonham com as ovelhas elétricas?” (1968), de Philip K. Dick, que também escreveu a estória na qual se inspira Desafio Total (1990), foi um fracasso comercial, mas pode ser considerado como um marco no gênero da ficção científica. É um conto filosófico, deprimente, mas com uma extraordinária e impressionante direção de arte, uma sofisticada iluminação e uma grandiosa trilha sonora (Vangelis). Na minha opinião, um dos filmes mais significativos da década de 80 Poder-se-ia colocar a etiqueta "pós-moderno" e atribuir sua força ao ecletismo do diretor. Scott mostra talento para integrar diversos elementos arquitetônicos, detalhes de vestuário e símbolos de diferentes culturas e épocas.

O filme utiliza de forma econômica códigos de diversas naturezas, que assustam e resumem a confusão babilônica na linguagem que se ouve pelas ruas de Los Angeles. Inspirado no clássico de Fritz Lang, Metropolis (1926) e no visual do cinema noir, as imagens de Edward Hopper ou nos quadrinhos de Moebius, Ridely Scott consegue criar uma obra extravagante que convida o público a questionar-se sobre a essência da identidade humana. O substrato do filme vai-se mostrando pouco a pouco ao longo do filme, que trata aspectos do universo consciente e subconsciente. A semelhança fonética entre o nome do protagonista, Deckard e do matemático Descartes, é somente mais um dos inúmeros elementos que sugerem o conteúdo filosófico existente no filme.


Scott volta a utilizar do potencial homônimo das palavras aproveitando a semelhança fonética das vozes inglesas. O olho é um símbolo universal de reconhecimento e representa um sentido de auto-conhecimento "único" nos seres humanos. Mas em Blade Runner, os androides também são dotados com esse nível de consciência. "Não somos máquinas, Sebastian, somos seres físicos", explica Batty em uma ocasião, falando de sua característica humana e aludindo assim a um dos temas mais importantes dos anos 80: o corpo.

É precisamente o corpo que faz dos replicantes seres humanos. Rachel (Sean Young), a secretária de Elson Tyrell, fala a Deckard o risco de sua profissão, quando lhe pergunta se não havia matado alguma vez um ser humano, por engano- a pergunta sensibiliza o espectador, já que as diferenças entre o ser humano e sua criação são intangíveis. A própria Rachel envereda entre dois limiares. Ainda que sempre acredite ser humana, finalmente encara a realidade e descobre ser uma andróide; porém, de uma casta diferente. Rachel foi programada com a experiência da sobrinha de Tyrell, o que lhe dá a ilusão de ter uma biografia. Suas lembranças estão baseadas em fotos. E é também a fotografia o meio pelo qual os replicantes são descobertos.

Deckard utiliza a imagem de um quarto de hotel vazio como faria um detetive do século XXI ou, ao menos, como se acreditava que um detetive faria na década de 80. Com a ajuda de um aparelho chamado “Esper” amplia fragmentos de uma foto em um monitor. Deste modo, consegue uma espécie de visão de raio-x que permite entrar nos diversos níveis de profundidade do espaço em duas dimensões. Deckard descobre a imagen de uma mulher refletida num espelho. O detetive envereda para um investigação que conduz o espectador a uma viagem pela arte ocidental . Ridley Scott nesta cena, faz alusão a vários quadros, entre eles, “O Casal Arnolfini” (1434), de Jan van Eyck, uma pintura que mostra os dois protagonistas, e além disso o pintor e sua assistente refletidos num espelho.

O gosto de Scott em dar volta aos paradigmas culturais contribuem sem dúvida para dar uma aura de fascinação que o filme provoca, até o ponto que algumas de suas imagens foram convertidas em recordações de nosssa memória visual coletiva, como, por exemplo, quando Deckard segue a encantadora de serpentes Zhora através das ruas caóticas, labirínticas e abarrotadas de Los Angeles. Finalmente dispara tiros na mulher, que cai em câmera lenta sobre uma vitrine. Poder-se-ia dizer que esses fragmentos de cristal representam a realidade feita em pedaços pela troca de papéis que se dá até o final da estória. Deckard se converte em perseguido e a andróide Batty, é um indivíduo complacente e generoso.

Batty salva a vida do blade runner no último minuto e morre em seu luigar. A diferença moral entre replicante e ser humano não mais existe. Sobretudo quando temos cada vez mais indícios de que o próprio Deckard pode ser um andróide. Em 1992 foi lançada a versão do diretor, que suprime a voz em off do narrador e o final feliz – o que faz essa teoria cada vez mais plausível. Em julho de 2002, o próprio Scott afirmou que Deckard era um andróide. Harrison Ford, escandalizado, disse que durante a filmagem o diretor havia assegurado o contrário. Assim o debate continua aberto...



Blade Runner - O Caçador de Andróides (Blade Runner)
1982 - EUA - 117 min. – Colorido - Ficção Científica
Direção: RIDLEY SCOTT. Roteiro: HAMPTON FANCHER e DAVID PEPLOES, baseado no livro "OS ANDRÓIDES SONHAM COM OVELHAS ELÉTRICAS?". Fotografia: JORDAN CRONENWETH. Montagem: MARSHA NAKASHIMA e TERRY RAWLINGS. Música: VANGELIS. Produção: MICHAEL DEELEY para THE LADD COMPANY e BLADE RUNNER PARTNERSHIP.

Elenco: HARRISON FORD (Rick Deckard), SEAN YOUNG (Rachel), EDWARD JAMES OLMOS (Gaff), M. EMMET WALSH (Bryant), DARYL HANNAH (Pris), WILLIAM SANDERSON (Sebastian), MAUREEN STAPLETON (Emma Goldman), BRION JAMES (Leon), JOE TURKEL (Eldon Tyrell), JOANNA CASSIDY (Zhora) e MORGAN PAULL (Holden).


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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

REDS

"Se tens a ilusão de discutir com um homem sobre a revolução antes de ir para a cama com ele, isso não é sexo, mas uma obra de caridade."

Louise Bryant (Diane Keaton) chega a Portland de 1915. Vai a festas sem o marido, trabalha como jornalista e, em uma exposição de fotos, aparece nua em uma obra. No jornalista John Reed (Warren Beatty), Louise encontra um espírito livre semelhante ao seu. John, que viajou pelo mundo, foi convidado a dar uma conferência em um clube liberal da cidade, sobre a guerra na Europa. Ao invés de esquentar a discussão, John joga um balde de água fria no fogo patriótico dos que estavam a favor da guerra – segundo ele, a guerra somente havia sido provocada por problemas econômicos.

Louise decide seguir John a Nova Iorque. Chegam a Greenwich Village, têm contato com um universo de artistas e boêmios da época, tal como o escritor Eugene O`Neill (Jack Nicholson). Tudo isso acaba resultando em uma convivência monótona com John e que Louise tem dificuldade de suportar. Mudam-se para a cidadela rural de Princetown. A partir de então, algumas vezes juntos e às vezes separados, chegam a Chicado, para finalmente seguirem rumo à Europa, cenário de batalha da Primeira Guerra Mundial, na qual os EUA acabavam de entrar.

Finalmente, em 1917, já casados, chegam à Rússia, onde testemunham a Revolução de Outubro. Impressionados pela insurreição proletária, retornam aos EUA para lutarem pelos direitos dos trabalhadores.

Louise pergunta a John se voltaria a Nova Iorque na qualidade de esposa ou amante. John responde “espere; afinal é quase dia Ação de Graças”. O ator, diretor e roteirista Warren Beatty fez do seu personagem John Reed um patifão sedutor, apaixonado defensor dos direitos dos oprimidos. Esse perfil descreve bem o John Reed real, a quem o escritor Upton Sinclair definiu uma vez como sendo um “playboy revolucionário”. O filme mostra de forma fiel a vida do casal de jornalistas John Reed (1887-1920) e Louise Bryant (1885-1936). Ambos estiveram na Rússia durante a Revolução Bolchevique – uma experiência que Reed narrou no livro “Os Dez Dias Que Abalaram o Mundo” (1919).

O filme é muito curioso: Porque Warren Beatty decidiu realizar um filme de três horas de duração sobre a vida de ativistas políticos comunistas em prol dos direitos sindicais, em plena Era Reagan? A crítica ácida supostamente contida nesse filme em meio ao clima político é somente mais uma de suas inúmeras virtudes.

A produção é extraordinária. “Reds” é uma estória épica e visceral sobre o amor em tempos de revolução, que faz lembrar “Doutor Zivago” (1965). No entanto, neste filme o romance é tratado de forma sarcástica ainda que a densidade política seja mostrada com uma sensibilidade e emoção que às vezes beira a pieguice. Porém, nunca é mostrada uma imagem idealizada dos bolcheviques. À medida que o filme vai chegando ao final pode-se observar com mais clareza o quanto era insignificante para eles as liberdades individuais.

Com esse filme, Warren Beatty pretendeu criar algo mais do que uma estória épica e introduziu, de vez em quando, testemunhos da época. Ainda que essas entrevistas não tenham sido reais, mas sim interpretadas por atores, elas contribuem para manter aberto e fluido o ritmo da narração. E, nessas ocasiões, inclusive, chega-se a questionar certos aspectos da estória, como por exemplo, quando Louise e Eugene O´Neill aparecem juntos na tela e um testemunho diz que não havia ficado claro se os dois tiveram um caso amoroso.

Os diferentes níveis da estória se completam maravilhosamente e resultam em um filme harmônico em que se fica nítida a paixão com que foi concebido e rodado. Os quatro anos que Warren Beatty dedicou ao projeto foram recompensados com doze indicações ao Oscar no ano de 1981, tendo sido agraciado com os prêmios de Melhor Direção, Melhor Fotografia e Melhor Atriz Coadjuvante.



Reds (Reds)
1981 - EUA - 195 min. – Colorido - Drama
Direção: WARREN BEATTY. Roteiro: WARREN BEATTY e TREVOR GRIFFITHS. Fotografia: VITTORIO STORARO. Montagem: DEDE ALLEN e CRAIG MCKAY. Música: STEPHEN SONDHEIM e DAVE GRUSIN. Produção: WARREN BEATTY para a PARAMOUNT PICTURES.

Elenco: WARREN BEATTY (John Reed), DIANE KEATON (Louise Bryant), EDWARD HERRMANN (Max Eastman), JERZY KOSINSKI (Grigori Zinoviev), JACK NICHOLSON (Eugene O´Neill), PAUL SORVINO (Louis Fraina), MAUREEN STAPLETON (Emma Goldman), GENE HACKMAN (Pete van Wherry) e NICOLAS COSTER (Paul Trullinger).

Prêmios: Oscar de Melhor Diretor (Warren Beatty), Melhor Atriz Coadjuvante (Maureen Stapleton) e Melhor Fotografia (Vittorio Storaro)/1981.


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terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

O SELVAGEM DA MOTOCICLETA

"O tempo é uma coisa muito divertida."

As nuvens cruzam depressa no céu. O Selvagem da Motocicleta (Mikey Rourke) é um antigo chefe de uma gangue, que se mudou para a Califórnia e vagabundeia pela cidade como um fantasma. Entretanto, todos na cidade falam dele como se fosse uma lenda, um mito. Rusty James (Matt Dillon) tem seu irmão como modelo, vive com o pai alcoólatra (Dennis Hopper) , falta à escola para joga bilhar, fuma, bebe, engana sua noiva Patty (Diane Lane) e perambula pelas ruas com seus amigos Smokey (Nicolas Cage) e B.J. (Christopher Penn). Um dia, o Selvagem da Motocicleta regressa à casa. Rusty James fica ansioso para viver as aventuras e emoções com seu irmão. Mas seu o Selvagem não é mais o mesmo...

Francis Ford Coppola filmou “Rumble Fish” no mesmo ano que “The Outsiders” (1983), ambos com os roteiros baseados em obra da escritora S.E. Hinton. Porém, enquanto o segundo é um filme convencional do gênero – um drama sobre a juventude ambientado nos anos sessenta – o primeiro resulta em uma obra muito mais completa que não pode ser classificada de forma tão facilmente. Em que época se passa? A jaquetas de couro e camisetas sugerem os anos cinqüenta, mas as motos são de modelos dos anos oitenta; as locações, com as escadas de incêndio e seus pátios remetem ao universo de “West Side Story” (1961).

Está claro que Coppola não teve nenhum interesse em dar profundidade e originalidade à estória. No lugar disso, utilizou como referência elementos familiares ao gênero de gangues de rua. Assim, pode-se afirmar que “Rumble Fish” não é um retrato social dos anos oitenta, mas sim uma espécie de “metafilme” do gênero, onde os elementos clássicos – lutas por liderança e disputas com gangues rivais – mostram-se como clichês.

O jeito durão de Rusty James e sua atitude chula não são mais do que gestos vazios que mostra seu esforço inútil em imitar o irmão mais velho. O conflito entre os dois é o ponto de tensão do filme. Rusty James não tem ideais, não possui amigos leais e verdadeiros, nem tendo sequer estudado. Seu irmão é seu único ídolo; além disso, seus sonhos de vida são retirados da ficção, dos contos e lendas sobre guerras entre grupos rivais. Ao contrário, o Selvagem da Motocicleta, com seu sorriso quase budista, já vivenciou essas brigas, que o marcaram para sempre -possui marcas de queimadura, é daltônico e não deseja que ninguém o venere.

A linguagem visual de Rumble Fish é pouco convencional e busca sustentação nas convenções dos dramas do gênero. Coppola e o diretor de fotografia Stephen H. Burum criaram imagens de impressionante beleza, composições trabalhadas até nos menores detalhes, desde as nuvens que passam no céu até as sombras geométricas de uma escada de incêndio que sobe pela parede de uma casa.

Com um nível narrativo cheio de simbologias e altamente visual, o tempo é uma presença constante. Em uma seqüência do filme, os irmãos encontram-se diante de um relógio sem ponteiros: o tempo do Selvagem já passou; Rusty James vive no passado e tem um futuro mais do que incerto. Quando Benny (Tom Waits) comenta em tom filosófico que “o tempo é uma coisa muito divertida”, ouve-se claramente o “tic-tac” do relógio do primeiro plano. Este e outros símbolos evidentes (a bola preto do bilhar, a névoa negra que cobre o horizonte...) fascinam e irritam de um certo modo.

Mesmo que sejam esteticamente belos, soam banais e muito óbvios, do ponto de vista de conteúdo. As imagens mais poderosas – extremamente importantes como elemento de cor num filme preto e branco – são os peixes exóticos. Esses animais que os jovens observam numa vitrine de uma loja são tão agressivos que têm que ficam separados no aquário, pois atacam seu próprio reflexo no vidro. São símbolos da energia autodestrutiva do Selvagem. Em outra seqüência colorida, aparece o reflexo de um Rusty James que se observa na janela de um carro policial. Trata-se, talvez, de uma visão fiel de si mesmo , enquanto abandona a cidade e parte para a Califórnia.



O Selvagem da Motocicleta (Rumble Fish)
1983 - EUA - 94 min. – Preto e Branco - Drama
Direção: FRANCIS FORD COPPOLA. Roteiro: S.E. HINTON e FRANCIS FORD COPPOLA, baseado na obra de S.E. HINTON. Fotografia: STEPHEN H. BURUM. Montagem: BARRY MALKIN. Música: STEWART COPELAND. Produção:DOUGH CLAYBOURNE e FRED ROOS para a HOTWEATHER FILMS e ZOETROPE STUDIOS.

Elenco: MATT DILLON (Rusty James), MICKEY ROURKE (o Selvagem da Motocicleta), VINCENT SPANO (Steve), DIANE LANE (Patty), DIANA SCARWID (Cassandra), NICOLAS CAGE (Smokey), CHRISTOPHER PENN (B.J. Jackson) e TOM WAITS (Benny).


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sábado, 16 de fevereiro de 2008

A BELA E A FERA

"Meu coração é bom, mas eu sou um monstro."

Enquanto Bela (Josette Day) trabalha na granja com seu pai (Marcel André) - um mercador pobre, suas irmãs vaidosas (Mila Parély e Nane Germon) se ocupam de arrumar um casamento com algum príncipe encantado. Por sua vez, o irmão (Michel Auclair) é um vagabundo que gasta seu tempo com seu amigo Avenant (Jean Marais). Este último é um rapaz bem apessoado que nutre o sonho de casar-se com Bela. Bela, no entanto, prefere ficar ajudando o pai.

Em uma ocasião, ao voltar para casa, seu pai – mais uma vez sem realizar um bom negócio – perde-se no bosque, vendo-se obrigado a passar a noite num castelo. Ao amanhecer, arranca uma rosa do jardim, o que causa a ira do proprietário, uma besta (papel também interpretado por Jean Marais) - metade homem, metade animal que, em compensação, exige a vida do infeliz mercador....ou de uma de suas filhas.
O homem, decidido a morrer, dispõe de três dias para despedir-se de sua família. Entretanto, antes que possa voltar para redimir-se da culpa, Bela cavalga até o castelo da Besta disposta a ocupar o lugar do pai.

“Era uma vez...”: Jean Cocteau utiliza esta fórmula clássica como introdução para sua versão de “A Bela e a Fera”, o célebre conto de Jeanne-Marie Leprince de Beaumont. Três palavras que, desde o tempos que nem nos lembramos mais, animam o público a enveredar para o irracional, com a promessa de mergulhar em um mundo ingênuo, cheio de beleza e, ao mesmo, tempo cheio de maldades. O filme de Cocteau cumpre a promessa maravilhosamente, uma vez que aborda o material literário com uma imaginação surrealista, sem deixar de ser pessoal.

Como cineasta, Cocteau se considerava antes de tudo um poeta surrealista. Entretanto, a diferença de seu filme anterior, O “Sangre de um Poeta” (1930), que já denotava uma influência mais clara da vanguarrda dos anos 20, é que a “Bela e a Fera” se ajusta mais às convenções do cinema mais narrativo. Essa narrativa talvez se deva também pela presença de René Clément que co-dirigiu o filme.

Entre as características da poesia do cineasta, percebemos a presença do sobrenatural na vida cotidiana. No filme, a referência visual de Cocteau para retratar o dia a dia dos personagens remete-nos à pintura holandesa do século XVII. Para as imagens da granja do pai, recomendou ao diretor de fotografia, Henri Alekan, que se inspirasse, entre outros, nos quadros de Vermeer. A intenção não era reproduzir exatamente aquelas telas, mas sim captar a luz, a disposição espacial e a postura das pessoas. No estilo poético de Alekan pode-se reconhecer claramente essas influências pictóricas.

Por outro lado, para o castelo e arredores, as referências foram as sombrias ilustrações que Gustave Doré havia realizado para os contos de Perrault, assim como a obra de outros artistas especializados no gênero fantástico, O diretor supôs integrar seus mágicos recursos cinematográficos e visões surrealistas ao mundo sobrenaturai. Nas diversas ocasiões, utilizou seqüências projetadas no sentido inverso para conseguir efeitos desconcertantes. Outra idéia simples, mas efetiva, são os candelabros expostos na parede diante de braços humanos ou os rostos das cariátides que seguem os personagens com o olhar. Um momento especialmente belo é a cena em que Bela flutua pelos largos corredores como se fosse uma fada.

Mais tarde fica claro que as referências pictóricas também nos permitem interpretar o filme a um nível mais profundo. Ao ver a Besta, Bela desmaia. Enquanto o monstro a leva para o quarto, sua postura faz-no lembrar da mulher que sonha no célebre quadro de Füssli, “O Pesadelo” (1781). O paralelismo revela que, na opinião de Cocteau, o monstro não é o único que sente desejo: na realidade, devemos entender a cena como uma fantasia erótica de Bela.

No final, Avenant morre, porque, na sua tentativa de libertar Bela e apropriar-se do tesouro da Besta, dá de bruços com o principio do extraordinário.

Ao mesmo tempo, a Besta também morre e se transforma em um príncipe com o gesto de Avenant, graças ao amor de Bela. Apesar de ser um final feliz realmente adequado para o conto, o filme transmite uma vaga melancolia, uma vez que o diretor nos permite intuir que a moça amou realmente a Besta – o príncipe nunca poderá substituí-la.




A Bela e a Fera (La Belle et la Bête)
1946 - FRANÇA - 96 min. – Preto e Branco - Drama
Direção: JEAN COCTEAU. Roteiro: JEAN COCTEAU, baseado na obra de JEANNE-MARIE LEPRINCE DE BEAUMONT. Fotografia: HENRI ALEKAN. Montagem: CALUDE IBÉRIA. Música: GEORGES AURIC. Produção:ANDRE PAULVÉ, para a DISCINA.

Elenco: JEAN MARAIS (a Besta/oPríncipe/Avenant), JOSETTE DAY (Bela), MARCEL ANDRÉ (pai de Bella), MILA PARÉLY (Felicity), NANE GERMON (Adelaide), MICHEL AUCLAIR (Ludovic) e RAUL MARCO (agiota).


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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

A FELICIDADE NÃO SE COMPRA

"A vida de cada homem afeta muitas vidas. E, quando ele não está, deixa um vácuo terrível."

Frank Capra na época da guerra resumiu com esse filme sua tendência de retratar pessoas pacatas e caseiras. Seu herói, George Bailey (James Stewart), é um camarada de personalidade que quer viajar e realizar grandes coisas, mas ultimamente
se vê administrando uma associação imobiliária numa pequena cidade; casado e em constante conflito com um mercantilista banqueiro da cidade.

Quando se imagina que o banqueiro vai levá-lo à ruína, ele tenta o que parece ser uma tentativa sensata de acabar com sua vida complicada. Neste momento, um anjo intercede para mostrá-lo - na forma de imaginação – como a cidade seria sem ele. A visão da vida sem George é tão ruim que - como nos filmes de Capra os desejos se tornam realidade - ele retorna a comunidade com imensa alegria, sendo salvo, também providencialmente, pela ajuda financeira dos amigos.

Ao compor essa fábula moralista, Frank Capra e os roteiristas apostaram na grande quantidade de todos os tipos de incidentes, confusões sentimentais e idealismo. A juventude de seu herói , a brincadeira de dança no colégio, o namoro desajeitado – tudo isso é mostrado na forma de entretenimento, apesar das muito freqüentes inclinações de cada um agir de forma infantil e tímida; as partes mais pesadas do filme são mostradas em estilo tenso e apressada.

Como o seu herói, James Stewart realiza um emocionante trabalho mostrando que ele ganhou estatura espiritual bem como em talento durante os anos em que serviu o país na guerra – jovial, desinteressado, otimista e um pouco ingênuo. Donna Reed está extremamente graciosa como sua esposa. Thomas Mitchell, Beulah Bondi, H. B. Warner e Samuel S. Hinds se sobressaem entre o grupo dos personagens da cidade que dão ao filme diversidade e entusiasmo. Mas o banqueiro de Lionel é quase uma caricatura do Tio Patinhas e o mensageiro divino de Henry Travers é um pouco desajeitado para meu gosto.

De fato, a fraqueza do filme, no meu ponto de vista é o sentimentalismo – sua ilusória concepção da vida. As pessoas boas de Capra são encantadoras, a pequena cidade é um lugar atrativo e sua forma de resolver os problemas é mostrada da maneira mais otimista e fácil possível. Os personagens parecem mais teatrais do que reais.

Porém, o resultado é gratificante e Capra sabe mostrar como ninguém como a vida vale a pena.



A Felicidade Não Se Compra (It´s a Wonderful Life)
1946 - EUA - 130 min. – Preto e Branco - Drama
Direção: FRANK CAPRA. Roteiro: FRANCIS GOODRICH, ALBERT HACKETT, FRANK CAPRA E JO SWERLING, baseado na obra PHILIP VAN DOREN STERN. Fotografia: JOSEPH F. BIROC e JOSEPH WALKER. Montagem: WILLIAM HORNBECK. Música: DIMITRI TIOMKIN. Produção: FRANK CAPRA, para a LIBERTY FILMS e RKO.

Elenco: JAMES STEWART (George Bailey), DONNA REED (Mary Hatch Bailey), LIONEL BARRYMORE (Sr. Potter), THOMAS MITCHELL (Tio Billy), HENRY TRAVERS (Clarence), BEULAH BONDI (Sra. Bailey), FRANK FAYLEN (Ernie), WARD BOND (Bert) GLORIA GRAHAME (Violet Bick) e H.B. WARNER (Sr. Gower) e TODD KARNES (Harry Bailey).


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terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

POR QUEM OS SINOS DOBRAM

"O que acontece contigo, acontecerá comigo."

Espanha, anos 30. Robert Jordan (Gary Cooper), especialista em explosivos, colabora com a resistência republicana em sua luta contra o fascismo. Para evitar que o inimigo receba esforços durante uma ofensiva, Jordan tem a missão de explodir uma ponte situada em um local estratégico das montanhas.

O estrangeiro parte para cumprir sua missão em companhia do velho Anselmo (Vladimir Sokoloff), que lhe serve de guia.Nos arredores do lugar, encontram-se com um grupo da resistência liderados por Pablo (Akim Tamiroff), um homem ignorante e bruto, cujo objetivo é mais o poder do que a realização dos objetivos políticos. No início, Pablo nega-se a ajudar Jordan. Pilar (Katrina Paxinou) ocupará seu lugar nas ações futuras do grupo.

Entre os participantes da resistência está Maria (Ingrid Bergman), que se refere a Jordan como o “inglês”. Maria é uma moça de dezenove anos que fora violentada por soldados fascistas depois de obrigada a presenciar o fuzilamento de seus pais. Surge um romance entre Jordan e Maria.

“Por Quem os Sinos Dobram”, uma das primeiras adaptações da obra de Hemingway para o cinema, exerceu uma grande influência estilística no cinema. Ao que tudo parece, o próprio autor, pouco entusiasmado com a idéia de uma adaptação de seu livro por Hollywood, envolveu-se no trabalho do roteirista, Dudley Nichols, o que explica a singular indefinição de uma história que fica no meio do caminho entre o melodrama psicológico e uma crônica realista de um conflito bélico. A tensão fica para a segunda metade do filme, que em sua versão restaurada durava 165 min e na sua primeira montagem 179 min. A primeira parte dedica-se principalmente ao retrato dos personagens e à descrição da relação existente entre eles.

Seguramente, Hemingway sentiu-se satisfeito com o personagem de Jordan, um herói muito ao gosto do escritor e não somente porque, por sua vontade, o papel fora dado a Gary Cooper – nesta adaptação de sua obra, Jordan se mostra como um homem que, à semelhança de muitos personagens da literatura, parece movido por uma grande força de vontade. O espectador desconhece os motivos que o levam a participar duma guerra num país estrangeiro. Faz o que deve fazer e está tão envolvido nesta causa que se dispõe a sacrificar sua vida, caso seja necessário.

Por outro lado, o personagem de Pilar, a guerrilheira que cresceu com uma arma entre as mãos, expressa a diferença entre a aparência física nada atraente e sua beleza interior. O diretor Sam Wood, também se ocupa da relação entre o guerrilheiro que luta pela liberdade (que não deseja amarras de nenhum tipo) e a bonita espanhola, cujo amor parece aumentar de intensidade devido ao constante perigo que os ameaça.

Apesar de tudo, o grande interesse do filme não se resume ao romance, mas também a importância dedicada à natureza - algo que com toda certeza satisfez as expectativas de Hemingway. Isso serve para intensificar a força dramática da história, como acontece nas cenas de luta que acontecem diante de uma catarata. Os fenômenos naturais, como a repentina nevada que torna impossível a locomoção, desempenham um importante papel na narrativa. Finalmente, Wood faz uso de um simbolismo naturalista que em parte resulta excessivamente explícito. Isso fica aparente quando o esquilo que passa sem ser molestado sobre a arma carregada de Jordan, sugere que este, diferentemente de Pablo, somente mataria alguém em caso de necessidade.

Simultaneamente, difícil que não agrade a ambivalência da monumental representação das paisagens e da natureza – as paragens descampadas e serenas que, ao mesmo tempo, podem oferecer proteção ou a cova, na qual Pilar reina como uma espécie de matriarca, que serve tanto como refúgio, assim como prisão para os homens armados - todas figuras carregadas de simbolismo. Wood retratou a natureza como um poder fatal e um espelho da alma humana, algo que influenciou de forma decisiva a maioria das adaptações cinematográficas da obra de Hemingway que ocorreriam mais tarde.



Por Quem os Sinos Dobram (For Whom the Bell Tolls)
1943 - EUA - 165 min. (versão restaurada) - Colorido - Drama
Direção: SAM WOOD. Roteiro: DUDLEY NICHOLS, baseado na obra homônima de ERNEST HEMINGWAY. Fotografia: RAY RENNAHAN. Montagem: SHERMAN TODD e JOHN F. LINK. Música: VICTOR YOUNG. Produção: SAM WOOD, para a PARAMOUNT PICTURES.

Elenco: GARY COOPER (Robert Jordan), INGRID BERGMAN (Maria), VLADIMIR SOKOLOFF (Anselmo), ARTURO DE CÓRDOVA (Agustín), AKIM TAMIROFF (Pablo), JOSEPH CALLEIA (o Surdo), FEODOR CHALIAPIN (Kaschkin), KATINA PAXINOU (Pilar) MIKAHIL RASUMNY (Rafael) e FORTUNIO BONANOVA (Fernando).

Prêmios:
Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante (Katina Paxinou)/1943

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domingo, 10 de fevereiro de 2008

HIROSHIMA, MON AMOUR

"Você não viu nada em Horoshima, nada."

O premiado filme de Alain Resnais não é filme fácil de ser visto ou de se ficar “hipnotizado”, mas mantém sua aura de um dos melhores filmes franceses da década de 50. Resnais e a roteirista (Marguerite Duras) desenvolvem um complexa história envolvendo uma atriz francesa (Emmanuelle Riva), na época da França ocupada durante a Segunda Grande Guerra Mundial, em contraste com a vida de um arquiteto japonês, traumatizado de guerra e sobrevivente ao ataque atômico em Hiroshima, interpretado por Eiji Okada.

Esses fatos são mostrados em rápidos flashbacks, dando fundo à história contemporânea – para a época - do relacionamento de uma mulher com um homem, em Hiroshima. Resnais se recusa em precisar o tempo no filme – nunca sabemos com certeza se estamos presenciando os eventos de 1959 ou de 1945. Lembremos do famoso relógio encontrado nas ruínas de Hiroshima e que permanentemente marca 9h15.

Na verdade, “Hiroshima, Mon Amour” não é demasiado hermético como muitos acreditam ser – o tema central da importância em fixar o passado dos personagens sempre surge de forma expressiva e clara – mas, segundo li, à época de seu lançamento, houve quem abandonasse a sessão declarando tratar-se de um mau trabalho, fazendo com que esforços futuros de Resnais fossem vistos com cautela.

Aficcionados do Cinema – como eu – são estimulados sempre a ver e rever esse belo filme, do começo ao final; pode não ser uma jornada fácil, porém, é sempre extremamente compensadora.
Uma obra-prima.



Hiroshima, Mon Amour (Hiroshima, Mon Amour)
1959 - FRANÇA - 88 min. Preto e Branco - Drama
Direção: ALAIN RESNAIS. Roteiro: MARGUERITE DURAS. Fotografia: SACHA VIERNY e MICHIO TAKAHASHI. Montagem: HENRI COLPI e JASMINE CHASNEY.Música: GIOVANNI FUSCO e GEORGE DELERUE. Produção: ANATOLE DAUMAN.

Elenco: EMMANUELLE RIVA (Ela), EIJI OKADA (Ele), STELLA DASSAS (Mãe), PIERRE BARBAUD (Pai), BERNARD FRESSON (Amante alemão).

Prêmios:
Melhor Filme Estrangeiro - Associação dos Críticos de Cinema de Nova Iorque/1960.
Sindicato Francês dos Críticos de Cinema/1960.
Prêmio UN/1960.

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sábado, 9 de fevereiro de 2008

BEE MOVIE

"Zuuuuuuuuuuuuummm."

O melhor de Bee Movie, novo desenho animado da DreamWorks, é que ele passa a maior parte da sua curta duração “zunindo” alegria, soltando piadas por todo lugar. Há um tema – geralmente uma grande e elaborada estória, com suas sempre batidas mensagens sobre salvação do planeta, vida comunitária entre espécies e fé – mas isso é um detalhe. O divertimento mesmo são os pequenos insetos.

A fórmula usada pela DreamWorks é atrair as crianças com criaturas agradáveis e ação ágil, bem como encantar os marmanjos com uma leve e pseudo sofisticada sátira pop cultural. “Bee Movie”, dirigido por Simon J. Smith e Steve Hickner e animado por diversos e diligentes zangões, vai estrategicamente para a telona quase a ponto de não parecer em nada um filme para crianças.

Há alguns trechos de cartoon esplêndidos – incluindo um “tour” do ponto de vista da abelha por Nova York, pelo Central Park à superfície de uma bola de tênis para dentro de um carro de corrida – o que mostra a utilização de técnicas de animação de última geração. Mas a parte mais criativa do filme fica nos diálogos - mais maduros e menos juvenis - do que no aspecto visual.

Isso tudo é pouco surpreendente.Como todos sabem, o cérebro do filme (e um dos roteiristas e produtores) é Jerry Seinfeld, cujo sitcom quase dez anos fora do ar, continua na ativa. Seinfeld faz a voz de Barry B. Benson, uma jovem abelha que chega ao ápice de seu acelerado estilo de vida de inseto, quando tem que escolher uma profissão. A colméia onde ele vive é um lugar organizado, onde as abelhas, condicionadas por 27 milhões de anos de evolução, trabalham sem parar na mesma atividade por toda a vida. Esse mundo remete a uma visão corporativa, doce e ensolarada de "Metrópolis", de Fritz Lang.

Adam (Matthew Broderick), o amigo nerd de Barry, aceita seu futuro de zangão como parte da ordem natural das coisas, mas Barry é um individualista, disposto a quebrar o conformismo da vida social dos insetos.

Barry também nos faz lembrar de algumas passagens com Benjamim Braddock, de “A Primeira Noite de Um Homem”, um filme que “Bee Movie” cita em algumas cenas. Não que Barry tenha um caso com uma abelha de meia-idade (todas as abelhas são crias da rainha, um fato biológico que o filme mostra de passagem). Ao contrário, Barry voa para longe de seu ninho, a ponto de se apaixonar por um ser humano real, uma florista de Manhattan chamada Vanessa, de voz doce e irresistível (Renée Zellweger).

Quando você reflete sobre isso, a perspectiva do romance entre uma abelha e um ser humano soa bizarro, para não dizer "fisiologicamente fora de questão". Mas, de qualquer forma, não é este o intuito do filme. A moral da estória – uma delas – é que nós e as abelhas dependemos uns dos outros e que devemos nutrir respeito pelo trabalho delas.

Quando Barry descobre que mel é comercializado em supermercados e coletado das abelhas, maltratadas com fumaça, etc., ele maldiz a raça humana perseguindo alguns dos responsáveis por esses atos abusivos. Nesse rol, estão Ray Liotta, que comercializa sua própria marca de mel e Sting, cujo nome é obviamente ofensivo às abelhas. Ambos os atores emprestam suas vozes aos personagens, assim como Larry King, interpretando uma figura chamada Bee Larry King. É mais engraçado do que aparenta. Ou talvez seja exatamente tão engraçado quanto parece.

Mesmo quando interpreta uma abelha animada, Seinfeld não demostra grande registro emocional. Sua zona de conforto como intérprete vai da irritação à perplexidade até moderada afetação psicológica, com crises de exagero ocasionais. Mas seu desprendimento funciona a favor do filme, diminuindo seus impulsos sentimentais.

“Bee Movie” deixa explícito um conceito que é geralmente deixado implícito no mundo animal dos cartoons – a etnia. Barry e sua tribo não são somente abelhas. Elas se identificam como “Beeish” – tenho certeza que “Benson” foi alguma coisa a mais no passado - e preocupam-se com seus filhos namorando vespas. Em sua jornada, Barry encontra um mosquito – voz de Chris Rock – a quem se refere como “bloods”.

Essas tiradas sobre identidade política, essa arriscada forma de humor sobre a cultura pop norte americana, dá a “Bee Movie” um estímulo de vitalidade cômica - uma pitada ácida num entretenimento que se propunha a ser leve e sem compromisso.



Bee Movie (Bee Movie)
2007 - EUA - 100 min. Colorido - Desenho
Direção: SIMON J. SMITH e STEVE HICKNER. Roteiro:JERRY SEINFELD, SPIKE FERESTEN, BARRY MARDER e ANDY ROBIN. Animação: Fabio Lignini. Montagem: NICK FLETCHER. Desenho de Produção: ALEX MCDOWELL. Música: RUPERT GREGSON-WILLIAMS. Produção: JERRY SEINFELD e CHRISTINA STEINBERG, distribuído pela PARAMOUNT PICTURES.

Vozes: JERRY SEINFELD (Barry B. Benson), RENÉE ZELLWEGER (Vanessa), MATTHEW BRODERICK (Adam Flayman), JOHN GOODMAN (Layton T. Montgomery), CHRIS ROCK (Mooseblood), PATRICK WARBURTON (Ken), LARRY KING (Bee Larry King), RAY LIOTTA (ele mesmo) e STING (ele mesmo).

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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

4 MESES, 3 SEMANAS E DOIS DIAS

"A interpretação é a vingança do intelecto sobre a arte."

Sem cerimônias e músicas para criar o clima, o filme inicia com a pálida Gabita (Laura Vasiliu) em um pequeno quarto de universidade, arrumando as coisas e empacotando uma toalha de mesa numa mochila, enquanto papeia banalidades com Otilia (Anamaria Marinca, sensacional e contida). O diretor não deixa claro o que está ocorrendo e o porquê. Leva tempo para descobrir o significado em suas palavras. O diálogo soa natural – assim como os móveis do quarto, pouco iluminado, e os gatos que Otília encontra.

Aparentemente, não há nada de artístico, nenhuma preocupação estética – como o cotidiano, a vida real. Porém, o filme não é nada, senão um triunfo estético, fluido no movimento de câmera, rigoroso no enquadramento e nas longas tomadas que nos levam a explorar as imagens e não apenas observá-las. Do início silencioso, apesar do nervosismo de Gabita, o ritmo muda subitamente, quando Otilia vai às compras. Com a câmera em movimento, Otilia cruza o quarto, visita alguns outros estudantes e compra cigarros. Há uma urgente pressa em seus passos, apesar da casualidade mostrada; uma necessidade expressa tanto no seu rosto preocupado, como na forma em que o diretor registra esses momentos em sua câmera.

Ao longo do filme, essa persistente visão cria um nível extraordinário de tensão. Otília logo emerge, iniciando uma jornada que a leva de hotel a hotel e através de um labirinto de ruas sinistras e de comportamento humano duvidoso. Otilia ajuda Gabita, que por sua vez quase entra em colapso, insurge contra seu amante, Adi (Alex Potocean), e com um grotesco “fazedor” de abortos, conhecido como Mr. Bebe (Vlad Ivanov, aterrorizador), que testará o limite da amizade das duas mulheres. Em sua odisséia, o diretor e sua câmera mantém-se em Otilia, sem closes, discursos , falso moralismo ou julgamento.

Acabamos por entrar em contato com um mundo absolutamente real de trocas de quartos, vidas e negócios excusos. A verossimilhança pode ser surpreendente, alarmante e envolvente. Assistimos à estória deste lugar reproduzida nas pessoas, no rosto determinado de Otilia e no tipo submisso de Gabita, que atravessam as dificuldades ao longo do tempo.

Você observa isso também na câmera – como o cão que passa próximo a Otília, quando esta tenta pela primeira vez reservar um quarto de hotel – com a leveza de um simples incidente. Horas mais tarde, durante uma cena tensa, ela é cercada por cães latindo numa rua abandonada; percebemos que não há incidentes ali, somente arte.

Em alguns aspectos, o diretor criou uma companhia para outro recente filme romeno, “ "A Morte do Sr. Lazarescu", de 2005, dirigido por Cristian Puiu – e filmado por Oleg Mutu, o maravilhoso diretor de fotografia de “4 meses.....” – "A Morte do Sr. Lazarescu" explora a intersecção entre o social e o pessoal no corpo humano e as formas comuns e espetaculares que nossos corpos são de repente situados no mundo como objetos e pessoas. Ao longo da tortura, que provavelmente inspirou o título do filme, o corpo do Sr. Lazarescu se torna um campo de simbologia, um panorama de desespero e um lugar de brutal troca entre corpos.

Em entrevistas o diretor resiste em fazer interpretações do seu filme, de que se trata de uma metáfora utilizando o aborto para criticar o regime totalitário de Ceausescu. Lembremos do que disse a grande escritora Susan Sontag “que a interpretação é a vingança do intelecto sobre a arte.” Contudo, "4 meses...” pode ser também sobre a capacidade de decisão das pessoas e da luta por liberdade face ao estado de opressão, fazendo com que tais interpretações podem ser limitadas. O diretor não se esquece do real universo feminino como força principal de seu filme e uma de suas grandes virtudes é que faz com que nós também não esqueçamos.

Assisti ao filme, talvez influenciado por uma amiga romena, que havia me recomendado o filme e fiquei surpreso. Vencedor da Palma de Ouro no último Festival de Cannes, infelizmente foi desprezado pela Academia de Artes e Ciências de Hollywood, na categoria de Filme Estrangeiro. “4 Meses...” é um filme que merece ser visto pelo maior número possível de pessoas, parte porque oferece uma benvinda alternativa ao tímido e trivial enfoque dado ao aborto pelo cinema americano, mas também porque marca o surgimento de um novo talento – o diretor Cristian Mungiu.



4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias(4 Luni, 3 Saptamani si 2 Zile)
2007 - ROMÊNIA - 113 min. Colorido - Drama
Direção: CRISTIAN MUNGIU. Roteiro: CRISTIAN MUNGIU. Fotografia: OLEG MUTU. Montagem: DANA BUNESCU.Música: TITI FLEANCU,DANA BUNESCU e CRISTIAN TARNOVETCHI.Produção: CRISTIAN MUNGIU E OLEG MUTU para IFC FILMS e RED ENVELOP ENTERTAINMENT

Elenco: ANAMARIA MARINCA (Otilia), VLAD IVANOV (Domnu Bebe),LAURA VASILIU (Gabita), ALEX POTOCEAN (Adi), LUMINITA GHEORGHIU (Doamna Radu)

Prêmios:
Palma de Ouro no Festival de Cannes/2007.
Melhor Ator Coadjuvante - Vlad Ivanov - pela Associação dos Críticos de Cinema de Los Angeles/2007.
FIPRESCI - Official Competition - Festival de Cannes/2007.
French National Education Administration Prize - Festival de Cannes/2007.
Melhor Filme Estrangeiro - Associação dos Críticos de Cinema de Los Angeles/2007.

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terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

O CISNE NEGRO

"No mar se está muito melhor. O mundo se abre diante de ti e espera que o conquistes".

A primeira vez que encontra Lady Margaret (Maureen O´Hara), filha do governador britânico da Jamaica, Jamie Waring (Tyrone Power) descreve-se como um bandido do mar, a escória, que faz o trabalho sujo de Sua Majestade. Porisso, o pirata não a trata com a esperada etiqueta palaciana - tenta lascar um beijo em Margaret e, quando ela lhe morde, Jamie a esbofeteia. Tyrone Power encarna em O Cisne Negro talvez o pirata mais convincente de todos já protagonizados no cinema - bêbado, ignorante, grosso e sem consideração alguma.

Filmes de piratas têm a força de levar-nos para bem longe do cotidiano, para um mundo colorido, repleto de aventuras. Além disso, o deleite proporcionado pelas batalhas navais, as lutas, duelos de espada e as ilhas desertas nos remete à visão de uma liberdade infinita, representada pelo navio e o mar, que converte esse gênero no mais emocionante de todas as aventuras.

É sobre essa independência que o diretor Henry King fala no filme. Como todos os filmes de piratas dos anos 40, O Cisne Negro foi rodado inteiramente em estúdio, à exceção das retroprojeções, cujas imagens foram realizadas por uma equipe em viagem à America Latina.

As batalhas navais espetaculares foram realizadas com pequenas maquetes de barcos em piscinas, com portos em miniatura - já que as maquetes podiam ser destruidas uma a uma, a equipe técnica conseguiu efeitos impressionantes dos combates na tela - mastros partindo, madeira caindo e velas destruídas.

O Cisne Negro iniciou uma nova era do cinema technicolor com 3 cores. O resultado do trabalho de Leon Shamroy e sua idéia de utilizar cores vivas e potentes, bem como filtros de gelatina, contribuíram substancialmente para a realidade das cenas de ação. Seu trabalho foi reconhecido com um Oscar de Melhor Fotografia.

Capa-espada de primeira. Diversão garantida.



O Cisne Negro (The Black Swan)
1942 - EUA - 85 min. P&B- Aventura
Direção: HENRY KING (1888-1982). Roteiro: BEN HECHT E SETON I. MILLER, baseado na novela homônima de RAFAEL SABATINI. Fotografia: LEON SHAMROY. Montagem: BARBARA MCLEAN. Música: ALFRED NEWMAN. Produção: ROBERT BASSLER para 20th CENTURY FOX.

Elenco: TYRONE POWER (Jamie Waring), MAUREEN O´HARA (Margaret Denby),LAIRD CREGAR (capitão Henry Morgan), GEORGE SANDERS (capitão Billy Leech), THOMAS MITCHELL (Tommy Blue),ANTHONY QUINN (Wogan), GEORGE ZUCCO (Lorde Denby), EDWARD ASHLEY(Roger Ingram), FORTUNIO BONANOVA (don Miguel) e STUART ROBERTSON (capitão Graham).

Prêmios: Oscar de Melhor Fotografia (Leon Shamroy)/1942.


Trailer Original:

sábado, 2 de fevereiro de 2008

ALMAS EM SUPLÍCIO

"Os crocodilos têm razão. Comem as suas crias".

Mildred Pierce (Joan Crawford) assume literalmente o papel de dona de casa após separar-se do marido. A razão dessa separação é que Bert (Bruce Bennett) a abandona, porque Veda, filha de Mildred (Ann Blyth), uma jovem egoísta, impede que a família leve uma vida normal. Mildred põe-se a trabalhar como camareira e chega a transformar-se em empresária do ramo de alimentação. Casa-se novamente, desta vez com o milionário Monte Beragon (Zachary Scott), que se torna seu sócio em um restaurante. Todo esse calvário de mãe tem um razão de ser - sua filha. Porém, à medida que assume um papel de mártir disposta a qualquer sacrifício, sua vida fica cada vez mais difícil.

Esse triste argumento de Almas em Suplicio recorda um sem número de filmes que foram produzidos em Hollywood sobre mulheres que tiveram que "batalhar" - mães e esposas que "deram duro" na ausência de seus maridos, durante o periodo da Segunda Guerra Mundial.

Esta parte do filme é apresentada somente em "flash back". O filme começa com o assassinato de Monte Beragon e, Bert, o primeiro marido de Mildred, é o suspeito. As nuances que permeiam o filme deixam claro que não estamos diante de um melodrama clássico. Do ponto de vista estrutural, Almas em Suplício se insere no gênero "noir". Os homens apresentam-se como meros figurantes. Neste fime, uma mulher cai nas teias que são armadas por outra mulher, uma autêntica "femme fatale" - sua própria filha.

Como num filme policial, a gente fica ocupado a todo momento, tentando juntar um quebra-cabeças, a partir de informações fragmentadas que nos apresentam. A trama policialesca se desenrola lentamente - a próxima vítima não aparece até a segunda metade do filme. No lugar de apresentar os motivos possíveis, os argumentos se desmontam uns após os outros. Seja quem for que tenha matado Beragon, somente poderia tê-lo feito por Mildred - assim como Veda, o dândi aproveita-se de sua boa fé e, como se não bastasse, a filha e o padrasdo formam um casal. A triunfante Mildred pode matar-se trabalhando, mas nunca terá uma filha que espera. Ao contrário, o desfecho mostrará toda a intriga que destruirá o coração de Mildred para sempre e que a levará a cometer seu maior erro.

O jogo de sombras, em tons claramente expressionistas, graças à bela direção de fotografia de Ernest Haller, ajuda Michael Curtiz a dirigir esse filme de alto nivel. Os elementos principais - traição , deslealdade e cobiça estão todos lá, perfeitamente adequados e a adaptação da obra de James Cain não apresenta dificuldades.

Ann Blyth, com apenas 16 anos, obteve uma indicação ao Oscar de atriz coadjuvante por dar vida a um dos mais detestáveis personagens da história do cinema. Joan Crawford, que estava em baixa na carreira, volta novamente à altura de atrizes da envergadura de Bette Davis e Olivia de Havilland, apesar de Michael Curtiz quase tê-la substituido por Barbara Stanwick. Ainda bem que não o fez. No papel de Mildred, Joan oferece-nos uma de suas mais fortes interpretações - que lhe rendeu o único Oscar de sua carreira na categoria de atriz principal.



Almas em Suplício (Mildred Pierce)
1945 - EUA - 111 min. P&B- Suspense, Melodrama
Direção: MICHAEL CURTIZ (1888-1962). Roteiro: RANALD MACDOUGALL, baseado na novela homônima de JAMES M. CAIN. Fotografia: ERNEST HALLER. Montagem: DAVID WEISBART. Música: MAX STEINER. Produção: JERRY WALD para WARNER BROS.

Elenco: JOAN CRAWFORD (Mildred Pierce Beragon), JACK CARSON (Wally Fay),ZACHARY SCOTT (Monte Beragon), ANN BLYTH (Veda), JO ANN MARLOWE (Kay),BRUCE BENNETT (Bert Pierce), EVE ARDEN (Ida Corwin), MORONI ELSEN(inspector Peterson), VEDA ANN BORG (Miriam Ellis)e BUTTERFLY MCQUEEN (Lottie).

Prêmios: Oscar de Melhor Atriz (Joan Crawford)/1945.


Trailer Original: