sábado, 28 de junho de 2008

CEGA OBSESSÃO

“Seu idiota. Não vê que ela está te enganando?.”


Em Tóquio, um escultor cego e sua mãe seqüestram uma modelo. Eles a mantém prisioneira numa espécie de atelier decorado com esculturas gigantes nas formas de olhos, bocas, narizes, seios, braços, pernas e outras partes do corpo de um ser humano – todas as peças recriadas por Michio (Eiji Funakoshi), a partir das sensações tácteis obtidas como massagista profissional.O filme remonta “O Colecionador” (1965), de William Wyler, particularmente quando o seqüestrador Freddie (Terence Stamp) fica enfurecido pelas tentativas de fuga de sua vítima Miranda (Samantha Eggar). Em “Cega Obsessão”, Michio pretende esculpir o corpo de sua prisioneira, através do tato; após diversas tentativas e lutas corporais, ela, Aki Shima (Mako Midori), cede, enquanto tenta seduzi-lo a ponto de tirar sua virgindade e livrá-lo da influência da mãe dominadora. A assustadora sensibilidade do escultor é bem conduzida pelo diretor, que agrega uma clima claustrofóbico, induzido pelo ambiente escuro e fúnebre do atelier. O comportamento aparentemente normal da mãe de Michio – que sustenta cada ação paranóica do filho – dá um tom de normalidade que reforça a esquisitice do filme.

Entretanto, o filme fica um pouco ridículo ao final, quando o casal, agora apaixonado, inicia um processo de mútua flagelação física – tudo isso ocorre sobre as esculturas e modelos esculpidos pelo “artista”. A modelo torna-se a própria dor ambulante e o filme acaba sugerindo uma versão oriental do "O Porteiro da Noite" (1974), de Liliana Cavani. As legendas mostram isso: “Veja, tenho uma idéia”, ela diz – então seu admirador decepa seus braços e pernas. Ele, de forma racional responde: “Porque”?

“Cega Obsessão” faz parte de uma resposta dos grandes estúdios japoneses aos “filmes rosa”, de baixo orçamento, de forte conteúdo sexual e realizados por produtores independentes. Para isso, contaram com as decadentes obras de Rampo Edogawa (1894-1965) ou Edogawa Rampo (para preservar a fonética de Edgar Allan Poe), apresentando temas de sexo desconcertante e violência.

Enquanto a história original de Rampo previa vária vitimas, essa adaptação é centralizada em somente uma vitima, de forma a potencialziar o efeito da “apreciação visual para uma insensata busca”, contida no filme. Os aspectos edipianos e pigmaleônicos estão todos ali e completam o banquete. Embora não seja um filme que surpreenda, certamente chama a atenção.




"Cega Obsessão" (Môjû)
1969 – JAPÃO - 105 min. – Colorido – SUSPENSE
Direção: YASUZO MASUMURA. Roteiro: YOSHIO SHIRASAKA, baseado em obra de RAMPO EDOGAWA. Fotografia: SETSUO KOBAYASHI. Montagem: TATSUJI NAKASHIZU. Música: HIKARU HAYASHI. Produção: KAZUMASA NAKANO.

Elenco: EIJI FUNAKOSHI (Michio) MAKO MIDORI (Aki) e NORIKO SENGOKU (Mãe).

Trailer Original:


Do mesmo diretor:



Red Angel

terça-feira, 17 de junho de 2008

ABRIL DESPEDAÇADO

“A tua vida agora tá dividida em dois.”


Situado no sertão nordestino, em 1910 (baseado no livro de Ismail Kadaré), o filme relata a cruel roleta russa que consome duas famílias rivais de plantadores e cana de açúcar. A morte de cada membro de uma família é vingada pela outra rival e assim sucessivamente até que haja a dizimação de uma delas. Em cada parede das casas há retratos das pessoas marcadas para morrer – que, na verdade, já foram mortas. Velas são colocadas sobre as fotos e suas camisas manchadas de sangue são penduradas ao relento, conforme a regra estabelecida no lugar. Até que a camisa de sangue esteja seca e sua coloração fique amarela, o ciclo fica interrompido (ninguém pode ser morto), dando, assim, uma trégua à próxima vitima e a seu assassino.

Os dois clãs, os Ferreiras e os Breves, são marcados por um código de honra quase feudal. A família Breves parece ter sido a mais desafortunada. Seus inimigos são mais prósperos e mais numerosos – o patriarca cego mora num casebre junto com os netos e respectivas esposas, enquanto os Breves estão reduzidos a um núcleo familiar de três pessoas, um moinho de cana e um par de bois envelhecidos e exaustos.

O filho mais velho da família Breves, Inácio, é morto e, segundo a tradição, o pai furioso (José Dumont) manda Tonho (Rodrigo Santoro), seu filho do meio, defender a honra da família. Walter Sales filma essa perseguição nas plantações de cana, de forma marcante, com edição nervosa e bem feita. Embora viva num mundo em que os mortos comandam os vivos, como diz a mãe de Tonho (Rita Asseamany), ele repudia essa lei do olho por olho, dente por dente. "Abril Despedaçado" é filmado sob a ótica do caçula da família Breves, cujos pais não lhe deram nome. O garoto (Ravi Ramos Lacerda) adora Tonho e é o único membro da família que expressa o desejo de cessar essa insensata tragédia familiar.

Walter Salles já havia mostrado anteriormente em "Central do Brasil" (1998) o ambiente violento e pobre dos centros urbanos e mostra aqui sua habilidade em lidar de forma honesta, sem restrições e, até com certa dose de romantismo, com historias duras e cruéis. A fotografia de Walter Carvalho dá um clima austero e belo à paisagem vazia e monocromática do sertão e aos personagens.

Esse cenário duro é aliviado pela chegada de uma dupla de saltimbancos – fazendo-nos lembrar de "A Estrada da Vida", de Fellini e "Bye Bye Brasil", de Cacá Diegues – que chegam com seu circo mambembe. Clara (Flavia Marco Antonio), uma engolidora de fogo, dá ao irmão de Tonho um livro e, seu companheiro, Salustiano (Luís Carlos Vasconcelos), dá-lhe um nome - Pacú. Clara torna-se uma fantasia na vida de Pacú – ele a identifica como a sereia do livro, o qual ele não consegue ler -, bem como objeto de desejo de Tonho.

Todo o elenco está irrepreensível. Walter Salles mostra que depois de Hector Babenco (embora esse seja de origem argentina) é o melhor diretor de atores do cinema brasileiro na atualidade. Rodrigo Santoro, sob sua batuta, nos dá uma interpretação segura e honesta.

"Abril Despedaçado" mostra a tentativa de Pacú livrar-se junto com seu irmão do fatalismo implacável que rege suas vidas. O custo dessa luta é devastador, mas permeada de otimismo. O filme espelha a expectativa difícil de viver num mundo moderno, quando tudo que gira ao seu redor não aponta para uma saída fácil.




"Abril Despedaçado" (Abril Despedaçado)
2001 – BRASIL - 105 min. – Colorido – DRAMA
Direção: WALTER SALLES. Roteiro: WALTER SALLES, SÉRGIO MACHADO e KARIM AINOUZ, baseado na obra “Abril Despedaçado”, de Ismail Kadaré. Fotografia: WALTER CARVALHO. Montagem: ISABELLE RATHERY. Música: ANTONIO PINTO. Produção: ARTHUR COHN.

Elenco: JOSÉ DUMONT (Pai) RODRIGO SANTORO (Tonho), RITA ASSEMANY (Mãe), LUIS CARLOS VASCONCELOS (Salustiano), RAVI RAMOS LACERDA (Pacú), FLÁVIA MARCO ANTONIO (Clara), EVERALDO PONTES (Velho cego), CAIO JUNQUEIRA (Inácio), MARIANA LOUREIRO (Viúva), SERVÍLIO DE HOLANDA (Isaías), WAGNER MOURA (Matheus) e GERO CAMILO (Reginaldo).

Trailer Original:


Do mesmo diretor:



Central do Brasil

sexta-feira, 13 de junho de 2008

UM CORPO QUE CAI

“Eu te amo, Madeleine.”


John Feguson, Scottie (James Stewart), é um antigo detetive de polícia que se demite após um companheiro ter morrido em uma perseguição conjunta pelos telhados de São Francisco. Ele sente-se culpado por não ter ajudado seu colega, em função de seu medo de altura. Por causa disso, Scottie busca uma nova ocupação e, justamente quando está pensando no que fazer com seu tempo livre, recebe uma chamada de um antigo companheiro de estudo (Tom Helmore), do qual não se recorda. Este pede a ele que siga sua esposa, contando-lhe uma engenhosa história sobre transtornos mentais e espíritos do passado. A principio, Scottie não aceita. Porém, quando a vê pela primeira vez, não resiste: Madeleine (Kim Novak), loira e misteriosa, é tão inacessível e linda, e esta envolta numa aura tão fascinante, que faz Scottie sentir-se fortemente atraído por ela.

Desta forma, segue, então, Madeleine por todos os lugares possíveis de São Francisco – salva sua vida, quando ela, querendo suicidar-se, joga-se na baía de São Francisco; entretanto, em outra ocasião, quando ela sobe na torre de uma igreja, Scottie não consegue ajudá-la, por culpa de seu medo de altura. Ele não se dá conta que caiu numa armadilha. Scottie sofre de vertigem. É um solitário, um sonhador, o que fica evidente em contraste com Midge (Barbara Bel Geddes) – uma amizade platônica. Tudo isso o transforma numa vítima perfeita.

Ao estrear, “Um Corpo que Cai” chocou o publico, tendo sido incompreendido inclusive pela critica da época. As imagens dos créditos e uma seqüência de sonhos (ambas criadas pelo desenhista Saul Bass), com cores irreais e elementos gráficos, constituem-se em pequenos experimentos cinematográficos e possivelmente produziram um efeito inquietante na década de 50.

Finalmente, nos anos 70, analisou-se até que ponto a estrutura da historia e a composição das imagens eram tão refinadas. A conclusão foi que “Um Corpo que Cai” ficou incluído no Olimpo das grandes obras da historia do cinema. Alfred Hitchcock criou outros grandes filmes, é verdade, mas esta é uma obra mestra, que ainda incomoda e transtorna. Estão ali todos os ingredientes das fórmulas do cineasta: o suspense – sua forma típica de criar tensão -, o tema do dublê, os sentimentos de culpa do personagem principal, o humor sarcástico e o amor obsessivo de um homem por uma mulher. Além disso, a trilha sonora, composta por Bernard Herrmann, é um dos melhores exemplos de como a inserção musical em um filme ocorre de forma tão precisa e perfeita.

Também, neste sentido, “Um Corpo que Cai” é uma obra prima de Hitchcock. Em todos os seus filmes, as mulheres loiras têm um papel importante (de Ingrid Bergman a Grace Kelly); em todos seus longas-metragens, ele trata o ícone da loira misteriosa, inacessível e frígida. Em “Um Corpo que Cai”, o diretor converte a criação da loira misteriosa no tema real, através de dublê: Madeleine – a loira sedutora que serve de isca e, na segunda metade, surge a ruiva Judy, uma mulher que, excetuando o cabelo, é idêntica à primeira, a qual Scottie quer transformar em Madeleine. Inquietante e magistral.




"Um Corpo Que Cai" (Vertigo)
1958 – EUA - 128 min. – Colorido – SUSPENSE
Direção: ALFRED HITCHCOCK. Roteiro: ALEC COPPEL e SAMUEL A. TAYLOR, baseado na obra “D´entre les morts”, de PIERRE BOILEAU e THOMAS NARCEJAC. Fotografia: ROBERT BURKS. Montagem: GEORGE TOMASINI. Música: BERNARD HERRMANN. Produção: ALFRED HITCHCOCK, para ALFRED J. HITCHCOCK PRODUCTIONS, INC. e PARAMOUNT PICTURES.

Elenco: JAMES STEWART (John Ferguson Scottie) KIM NOVAK (Madeleine Elster/Judy Barton), TOM HELMORE (Gavin Elster), BARBARA BEL GEDDES (Midge Wood), KONSTANTIN SHAYNE (Pop Liebl), HENRY JONES (Membro do Tribunal), RAYMOND BAILEY (Médico) e ELLEN CORBY (encarregada do hotel).

Trailer Original:


Do mesmo diretor:



Interlúdio

quinta-feira, 5 de junho de 2008

E.T. - O Extraterrestre

“Como você explica o que é escola para uma inteligência superior?.”


A trama pode ser resumida em poucas palavras: um O.V.N.I. e sua tripulação aterrisam por engano na Terra. Quando os alienígenas são descobertos por uma patrulha de reconhecimento de cientistas, colocam-se em marcha para ficarem a salvo. Um dos passageiros não chega a tempo à nave e permanece no planeta azul. O extraterrestre esconde-se no jardim de uma casa, até que, numa noite, o pequeno Elliot (Henry Thomas) o descobre. Uma vez que Elliott supera o medo inicial diante da estranha forma de vida, consegue que o E.T. o siga para dentro da casa, com a ajuda de um punhado de guloseimas. Assim, pouco a pouco, desenvolve-se entre os dois uma bela amizade que, com o passar do tempo, estende-se aos irmãos de Elliott – Michael (Robert MacNaughton) e Gertie (Drew Barrymore). O recém-chegado torna-se um companheiro da garotada que o esconde dos adultos. Dentro de um armário, o E.T. passa desapercebido aos olhos da mãe de Elliott (Dee Wallace).

A mensagem central do filme é o eterno conflito entre a razão e o coração. Sob a ótica de Spielberg, sempre quando os adultos têm que escolher entre esses dois conceitos diametralmente opostos, a decisão recai sobre o intelecto. É exatamente assim como Spielberg enxerga o inicio da destruição do poder da imaginação que existe na infância. Portanto, com esse filme, ele tenta um ato de expiação.

Desde o inicio do filme, os adultos são retratados como uma séria ameaça ao mundo infantil - com vozes estridentes, assustam os extraterrestres que vieram à Terra com a pacifica missão de colher flores. Além disso, Spielberg faz as tomadas dos adultos sempre sob a ótica das crianças – nunca de corpo inteiro. Até o final do filme, não são mostrados seus rostos. A câmera trabalha sempre à altura dos olhos das crianças, mostrando os acontecimentos sob suas perspectivas.

Spielberg sempre foi muito criticado por seu estilo cinematográfico. Alguns o acusam de ter uma forma regressiva de fazer cinema e de exagerar nas incursões ao mundo infantil. Mesmo assim, tem sido rotulado como um artesão espiritual, por sua grande capacidade em tocar as teclas dos sentimentos e saber exatamente como agir em cada momento para atingir emocionalmente o público.

Neste filme, Spielberg mostra seu inegável talento, seu divertido senso de comédia, seu lírico estilo narrativo, os elementos de suspense e de melodrama e sua apaixonada defesa da infância. Isso explica o êxito deste filme até hoje.

Para o diretor, esse filme significou um velho sonho. Nele, Spielberg pode refletir sobre sua própria infância e suas origens. Assim, a relação com seus pais (sua mãe foi pianista e, ao que parece, muito sofrida; seu pai, um engenheiro ausente na maior parte do tempo) está retratata em "E.T.", da mesma forma que os medos e esperanças de um menino de dez anos que sonha com a harmonia universal e que, em vista da impossibilidade de consegui-la na vida real, deve esperar criá-la nos seus filmes.

Fica sempre a pergunta: "E.T." é um filme infantil ou um conto de fadas para adultos? Acho que pode ser tanto uma coisa como outra. O alienígena simpático que estende o dedo indicador e cuja expressão “Phone... home...” popularizou-se no mundo todo, tornou esse filme inesquecível. Ingênuo, porém, belo e único.




"E.T. - O Extraterrestre" (E.T. – The Extra-Terrestrial)
1982 – EUA - 114 min. – Colorido – FICÇÃO CIENTÍFICA
Direção: STEVEN SPIELBERG. Roteiro: MELISSA MATHISON. Fotografia: ALLEN DAVIAU. Montagem: CAROL LITTLETON. Música: JOHN WILLIAMS. Produção: KATHLEEN KENNEDY e STEVEN SPIELBERG, para UNIVERSAL PICTURES.

Elenco: DEE WALLACE (Mary) HENRY THOMAS (Elliott), PETER COYOTE (Keys), ROBET MACNAUGHTON (Michael), DREW BARRYMORE (Gertie), K.C. MARTEL (Greg), SEAN FRYE (Steve), TOM HOWELL (Tyler), ERIKA ELENIAK (criança) e DAVID O´DELL (estudante).

Prêmios:
Oscar de Melhor Trilha Sonora (John Williams), Melhores Efeitos Visuais (Carlo Rambaldi, Dennis Muren e Kenneth F. Smith), Melhor Som (Robert Knudson, Robert J. Glass, Don Digirolamo e Gene S. Cantamessa) e Melhores Efeitos Sonoros (Charles L. Campbell e Ben Burtt)/1982.

Trailer Original:


Do mesmo diretor:



Contatos Imediatos do Terceiro Grau

quarta-feira, 4 de junho de 2008

QUERELLE

“Todo homem mata a quem ama...”


Envolvido no contrabando de ópio, Querelle (Brad Davis) mata um de seus cúmplices, o marinheiro Vic (Dieter Schidor), cuja culpa recai sobre Gil (Hanno Pöschl). Na realidade, Gil havia matado outro sujeito e busca refúgio no bairro marginal de Bagno. Sua aparência física com o irmão de Querelle, Robert (Pöschl, em papel duplo), faz com que este o considere também como a um irmão e se sinta profundamente atraído por ele. Porém há algo que os diferencia. Enquanto Gil causou uma morte involuntária, Querelle cometeu um assassinato a sangue frio. Ao final, Querelle acabará por denunciar Gil à polícia. Uma segunda da trama paralela desenvolve-se no bordel Féria. Lá, ouvimos a exagerada dissertação do tenente Selon (Franco Nero) que, fascinado por Querelle, grava suas impressões sobre ele em um equipamento. Querelle joga dados com Nono (Günther Kaufmann) e exige como prêmio a sua bela mulher Lysiane (Jeanne Moreau), dona do prostíbulo. Porém, Querelle perde a disputa e vê-se obrigado a ceder às pretensões sexuais de Nono.

O sexo tem um papel importante no assassinato do marinheiro. Para Querelle, o amor e o afeto somente podem ser exprimidos por meio da destruição e da violenta subordinação. Todos que chegam a conhecer o marinheiro Querelle rendem-se ao seu encanto, mas sua reação sempre é mortal e traiçoeira. E, quando a trama alcança o ponto trágico mais alto, Lysiane canta uma canção de cabaré inspirada nas palavras de Oscar Wilde: Todo homem mata a quem ama...

Fassbinder aborda a questão do poder dentro de um mundo essencialmente masculino como um labirinto formal de reflexos e disfarces, criando, assim, um mundo de enganos e calúnias com uma grande carga lírica.

Toda a historia se passa em um cenário surrealista, criado pelo cenógrafo Rolg Zehetbauer nos estúdios CCC de Berlim Oriental, sendo toda narrada em off. A ação desenvolve-se em diversos lugares: um barco ancorado próximo a Brest, o bordel de Féria, uma taverna, algumas ruas da zona portuária e um jardim árabe.

Os cenários apresentam uma iluminação de tonalidade vermelha e amarela. Não há uma clara linha de separação entre um lugar e outro. A aparente intimidade existente nos encontros privativos é sufocada por um cenário interno e externo, por superfícies planas e profundas, por ações objetivas e sentimentos subjetivos, por percepções próprias e alheias. A ligação de todos esses elementos determina a trama de “Querelle” e a sua cenografia especifica constitui um recurso estilístico fundamental.

O produtor, Dieter Schidor, havia oferecido anteriormente o roteiro a outros diretores, tais como Sam Peckinpah e Roman Polanski. O certo é que a novela de Jean Genet, na qual se baseia a história, parece feita sob medida para Fassbinder, cujo tratamento apaixonado que dá ao material adere perfeitamente à sua obra anterior.

Naquele que parece ser seu filme mais pessoal, Fassbinder examina os mecanismos psicológicos das relações amorosas. A diferença de seus outros filmes, é que em “Querelle” não há referências temporais, de forma que ele adquire uma dimensão universal.

O tom da obra é cheio de lirismo, com movimentos de câmera lentos, e o aspecto teatral da história intensifica-se graças aos cenários que mais parecem um palco do que um estúdio cinematográfico. Aliado a isso, justifica-se a interpretação dos atores que, em alguns momentos, é exagerada. O filme perde um pouco de ritmo por conta dessa ditadura da forma e excesso estilístico.

Em “Querelle”, Fassbinder cria um cosmos íntimo inteiramente determinado pelo desejo masculino, e ainda que a ele renda homenagem, também demonstra seu fracasso. Filme hermético, que pode não agradar a todos, mas é forte e essencial para os que apreciam o novo cinema alemão.



"Querelle" (Querelle)
1982 – ALEMANHA/FRANÇA - 107 min. – Colorido – DRAMA
Direção: R.W. FASSBINDER. Roteiro: R.W. FASSBINDER e BURKHARD DRIEST, baseado no livro QUERELLE DE BREST, de JEAN GENET. Fotografia: XAVER SCHWARZENBERGER. Montagem: R.W. FASSBINDER (como Franz Walsch) e JULIANE LORENZ. Música: PEER HABEN. Produção: DIETER SCHIDOR, para PLANET FILM PRODUCTIONS, ALBATROS.

Elenco: BRAD DAVIS (Querelle), FRANCO NERO (tenente Seblon), JEANNE MOREAU (Lysiane), LAURENT MALET (Roger Bataille), HANNO PÖSCHL (Robert/Gil), GÜNTHER KAUFMANN (Nono), BURKHARD DRIEST (Mario), DIETER SCHIDOR (Vic), KARL SCHEYDT (Marinheiro) e ROGER FRITZ (Inspetor Marcellin).

Trailer Original:


Do mesmo diretor:



O Desespero de Veronika Voss