segunda-feira, 28 de setembro de 2009

OS OLHOS SEM ROSTO

“Sorria. Não muito”


Desde que um acidente automobilístico desfigurou o rosto de sua filha, Christiane (Edith Scob), o doutor Génessier (Pierre Brasseur) faz todo o possível para restituir-lhe a beleza. Com a ajuda de sua colaboradora Louise (Alida Valli), Génessier atrai para sua casa diversas jovens. Ali as anestesia e as converte em cobaias de uma intervenção cirúrgica macabra. Na sala de operações, que fica oculta no sótão da mansão, retira a face das vitimas e as transplanta para sua filha. Essas experiências se repetem sem sucesso. E as tentativas mal sucedidas do pai tornam-se obsessivas. O filme tem um clima muito perturbador. A fotografia em preto e branco de Eugen Schüfftan revive o inquietante claro e escuro do expressionismo alemão. As nuances cromáticas são responsáveis por transformar a mansão em um labirinto, uma prisão quase impossível de escapar. As sombras das escadas parecem tentáculos possíveis de tornar qualquer um prisioneiro da loucura do médico. Sobretudo de sua filha, separada da vida, que vaga como um fantasma através da casa – parece uma Ofélia com o rosto desfigurado, oculto atrás de uma máscara de porcelana branca, cuja expressão de tristeza parece selar seu destino para sempre.

O diretor Franju cria de forma sutil uma atmosfera de pesadelo que sugere o terror a que estão associados os atos de Génessier. A cada resultado mal sucedido, mostrado através de uma sombria sucessão de primeiros planos – fotografias ou imagens congeladas -, mostra o rosto angelical de Christine que perde o viço dias depois, com manchas de necrose na pele transplantada.

A crueldade dessas seqüências mostra que Génessier é um médico perverso, pois além de provocar mortes, torna seu amor pela filha numa obsessão. As tentativas de dar à Christine um novo rosto – uma nova vida – significam ao mesmo tempo mudar sua identidade, recriá-la como mulher ideal, em um ato de criação, tal qual Frankenstein. Esse ato de arrogância que tem, entretanto, suas conseqüências.

O filme também pode ser visto como um alerta, uma crítica ácida à medicina experimental, de tentativa e erro, levada ao extremo. “Os Olhos Sem Rosto” reforça nossos mais profundos temores de infância. Quem de nós, quando criança, não achava que os médicos e enfermeiras eram agentes do mal? Se você planeja submeter-se a uma cirurgia plástica no futuro, evite assistir a este belo filme do terror francês. Sombrio e triste. Porém, brutalmente poético.



Os Olhos Sem Rosto (Les Yeux Sans Visage)
1960– FRANÇA /ITÁLIA - 88 min. – Preto e Branco – TERROR
Direção: GEORGES FRANJU. Roteiro: PIERRE BOILEAU, PIERRE GASCAR, THOMAS NARCEJAC E CLAUDE SAUTET, baseado na obra homônima de JEAN REDON Fotografia: EUGEN SCHÜFFTAN. Montagem: GILBERT NATOT. Música: MAURICE JARRE. Produção: JULES BORKON, para a CHAMPS ÉLYSÉES PRODUCTIONS E LUX FILM.

Elenco: PIERRE BRASSEUR (Dr. Génessier), ALIDA VALLI (Louise), JULIETTE MAYNIEL (Edna), EDITH SCOB (Christine), FRANÇOIS GUÉRIN (Jacques), ALEXANDRE RIGNAULT (Inspetor Parot), BÉATRICE ALTARIBA (Paulette), CHARLES BLAVETTE (Homem do Depósito), CLAUDE BRASSEUR (Inspetor) e MICHEL ETCHEVERRY (Médico Legista).


Cenas do filme:


Assista também:




A Máscara de Satã

domingo, 27 de setembro de 2009

FRANCES

“Frances Elena Farmer. Quer que eu soletre?”


“Frances'' é baseado na triste e complicada vida de Frances Farmer, uma brilhante colegial de Seattle que alcançou o estrelato na Hollywood dos anos 30, em filmes como ''O Último Romântico'' e ''Meu Filho É Meu Rival”, ambos de 1936, e participação na Broadway. No início da década de 40, Frances entrou em depressão física e emocional que, segundo mostrado no filme, levou-a a ser tratada como mentalmente incapaz. Aparentemente com o consentimento da mãe, foi submetida a sessão de lobotomia que transformou uma mulher talentosa em um robô humano, até falecer na década de 70. Aos 56 anos, Frances Farmer morreu de câncer na garganta em Indianapolis, onde passou o resto de seus dias como apresentadora de um programa de televisão.

O filme é um pouco conturbado. Parece uma obra inacabada, como se o diretor, Graeme Clifford, e os roteiristas não tivessem conseguido perceber o foco principal da história da atriz. Contém um material pouco lapidado e com certo grau de brutalidade que tanto o filme como os espectadores não poderiam supor.Contudo, traz uma atuação magnífica de Jessica Lange no papel principal. Seu desempenho é tão contundente, tão forte, tão inteligente e humano que parece ser o último papel de sua carreira. Pelo contrário, depois de “King Kong” (76) e o pretensioso "O Destino Bate à Sua Porta" (81), Jessica, além de linda, emerge como uma atriz poderosa. O prazer em assisti-la faz com que o filme vá se transformando numa experiência marcante. Não é à toa que foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz em 1983.

O roteiro de Eric Bergren, Christopher Devore e Nicholas Kazan, retrata a história da atriz quando, ainda na escola, ganha um prêmio de redação um polêmica para os anos 30 – o assunto versava sobre a morte de Deus. A jovem Frances, xodó de uma mãe ambiciosa, Lilian Farmer (Kim Stanley), e de seu pai fraco Ernest (Bart Burns), ganha uma competição de interpretação patrocinada por um jornal de esquerda. Como prêmio, ganha uma viagem para a Rússia e a chance de trabalhar no Teatro de Arte de Moscou. Apesar de sua ambição, sua mãe Lillian é fruto de um tempo e, como tal, anticomunista. Quando Frances a desafia e parte para Moscou, inicia-se uma série de confrontos entre ambas, que levam paulatinamente à destruição de sua personalidade.

Embora retratada como relevante no início, sua viagem não é mais mostrada durante o filme. Num período de poucos segundos, a atriz retorna da Rússia, trabalha em Nova Iorque e volta para Hollywood como uma atriz contratada da Paramount Pictures. Minutos depois, é a aclamada atriz de “Meu Filho É Meu Rival”, de Samuel Goldwyn. A atriz, contudo, é incansável. Deixa Hollywood para trabalhar num grupo de teatro e tem um desastroso romance com o dramaturgo Odets (Jeffrey DeMunn). De volta a Hollywood, estrela em filmes B e, viciada em anfetaminas, segue um calvário como paranóica, que leva à prisão e a uma sucessão de internamentos em hospitais mentais.

Surgindo em algumas situações e desaparecendo em outras, está o personagem fictício chamado Harry York – um sujeito low profile -, interpretado pelo escritor e ator Sam Shepard. Sua figura é difícil de entender dentro do contexto do filme. Quando se torna amante de Frances, nos primeiros anos em Seattle, aparenta um político de esquerda. Mais tarde, durante a fase em que a atriz se dedica ao teatro, ele é um bookie. Mais tarde, ao resgatá-la de um hospital mental na Califórnia, ressurge como um escritor ou alguém da imaginação de Frances.

O diretor extrai excelentes atuações dos atores, mas nunca fixa um estilo para o filme. Às vezes, é um melodrama biográfico, romântico; outras, demasiado estilizado. Aonde quer que Frances esteja durante o período da Depressão - em Seattle, Nova Iorque ou Los Angeles - o panorama parece ser decorado com pouco glamour, como se fosse para certificar a consciência social da atriz. Em determinado ponto, ela chega a perguntar: “Como posso continuar fazendo filmes quando pessoas passam fome?”.

Um ponto que não fica claro e que compromete a coerência do filme é a falha em não estabelecer se os problemas mentais enfrentados por Frances são reais ou se ela é vitima de sua vingativa e recalcada mãe, do establishment de Hollywood ou, mais ainda, do grupo de teatro de Clifford Odets e Harold Clurman.

Apesar das falhas de estrutura e estilo do filme, Jessica está consistentemente esplêndida. Ela consegue ser sofisticada, astuta e obstinada quando ainda garota, bem como perturbada e fragilmente assustada, quando já mulher adulta. A cena em que se encontra com um psiquiatra é tão magistralmente interpretada que poderia ser objeto de alucinação da atriz. É, ao mesmo tempo, engraçada e comovente. Com certeza uma das maiores atuações dos anos 80.Embora todo o elenco esteja bem, ninguém tem um papel de grande destaque, incluindo Kim Stanley – que foi indicada ao Oscar de Melhor Coadjuvante - e Sam Shepard que, contudo, têm presenças fortes.

Bastante tocante fica por conta das seqüências finais em que uma Frances “tranqüila” aparece no programa de Ralph Edwards, "This Is Your Life". Linda, e demovida de todas as pressões sociais que antes tinha, comporta-se do modo esperado por todos. O apresentador chama-a de Frances e ela o chama de Ralph (com mais freqüência do que alguém faria no dia-a-dia). Ao final, ela ganha um carro modelo Edsel. Parece o final de um sonho.



Frances (Frances)
1982– EUA - 140 min. – Colorido – DRAMA
Direção: GRAEME CLIFFORD. Roteiro: ERIC GREGEN, CHRISTOPHER DEVORE E NICHOLAS KAZAN Fotografia: LASZL KOVACS. Montagem: JOHN WRIGHT. Música: JOHN BARRY. Produção: JONATHAN SANGER, distribuído pela UNIVERSAL PICTURES.

Elenco: JESSICA LANGE (Frances Farmer), SAM SHEPARD (Harry York), KIM STANLEY (Lillian Farmer), JEFFREY DeMUNN (Clifford Odets ), JORDAN CHARNEY (Harold Clurman), BART BURNS (Ernest Farmer), JONATHAN BANKS (Hitchhiker), DONALD CRAIG (Ralph Edwards), DARRELL LARSON (Espião de Louella) e GERALD S. O´LOUGHLIN (Especialista em Lobotomia).



Cenas do filme:


Assista também:




Céu Azul