sexta-feira, 9 de maio de 2008

INTERLÚDIO

“Nosso amor é bastante estranho”


O grande amor em letras maiúsculas expressa-se através da renúncia. Assim foi com Humphrey Bogart e Ingrid Bergman, em Casablanca (1942); e assim seria quatro anos depois em "Interlúdio", um suspense psicológico com a marca de Hitchcock, que transformou Ingrid Bergman em um ícone indiscutível. A atriz sueca interpreta Alicia Huberman, uma norte-americana filha de um espião nazista que, por amor a um agente secreto de seu país, Devlin (Cary Grant), decide casar-se com outro. Alicia deixa para trás seu passado de garota despreocupada, para descobrir o que acontece na casa do nazista Alexander Sebastian (Claude Rains), que fugiu para a América do Sul. Quando Alicia segue a pista de uma enorme quantidade de urânio contrabandeado, a casa se transformará em uma armadilha mortal para ela, já que seu marido irá envenenando-a pouco a pouco com arsênico. No último minuto, Devlin chegará para salvá-la.

“Interlúdio” é um impressionante exemplo da teoria hitchcockiana sobre o MacGuffin (elemento que motiva a história, mas que acaba sendo dispensável). O fato de que o “assunto” da trama seja o urânio - necessário para a construção de armas atômicas -, o fato é absolutamente irrelevante para esse romance. De fato, essa idéia chegou ao acaso até o diretor, em 1944, um ano antes do lançamento da primeira bomba atômica sobre Hiroshima.

Um fator determinante nesta fita é a economia dramática de Hitchcock, que aproveita as coincidências estruturais de seus filmes de espionagem e de romance. Em ambos os casos, a tensão resulta da luta pela confiança, do conflito entre traição e deslealdade, e da necessidade de se guardar alguns segredos, os quais serão revelados no momento adequado. Assim,o diretor leve os espectadores a intuir que Devlin esteja apaixonado por Alicia, mesmo que ela, por sua vez, sofra por causa dos dois homens: por um lado, deve manter-se com Sebastian, que a aborrece com sua confiança sem limites; por outro, deve suportar a frieza com que Devlin a trata, o qual se opõe ao serviço patriótico que ela se impôs, com certo sarcasmo.

Estamos diante do clássico conflito entre o amor e o dever, no qual Ingrid Bergman demostra o sacrifício de Alicia com um fervor extremo (que aparenta fragilidade visto de longe). Em contrapartida, Devlin, o personagem de Cary Grant, apresenta-se quase como um MacGuffin erótico. Sebastian, o nazista, ama realmente Alicia e, portanto, vive a traição como uma experiência trágica que nos parece normal. Trata-se de um extraordinário exemplo de canalha a la Hitchcock, que trata esses personagnes com grande compaixão. Ao contrário do que aconteceu com Bogart, em Casablanca, o ator Caude Rains - bem mais baixo - teve que subir em tábuas de madeira para parecer mais alto na tela junto de Bergman.

A complexidade da trama contrasta com a transparência do estilo narrativo. Algumas das situações vistas já fazem parte da história do cinema. Por exemplo, o sugestivo simbolismo dos líqüidos entregues a Alicia: esse elemento parece sempre em relação direta com o sofrimento do personagem, desde sua intoxicação etílica até a intenção em assassiná-la com arsênico. A ressaca que experimenta durante a noite que passou bebendo com Devlin expressa-se mediante um giro de 180 graus sobre o eixo da imagem. Assim, o espectador sabe que Alicia está bêbada e que Devlin é um personagem perturbado.

Mais adiante, Hitchcock chama nossa atenção algumas vezes sobre a chave da adega onde está escondido o urânio. E não podemos esquecer o “beijo cinematográfico mais longo da história” entre Grant e Bergman: três minutos no total. Apesar disso, Hitchcock teve que interromper a seqüência várias vezes na montagem final, uma vez que o Código Hayes somente autorizava três segundos seguidos.

“Interlúdio” é provavelmente o filme mais romântico do diretor britânico. Sem dúvida, a tensão sexual insinuada permite antecipar algumas das peculiaridades que desenvolveria no futuro, presentes por exemplo, no final, em que Alicia e Devlin conseguem fugir. O pobre Sebastian segue um caminho oposto: a morte.



Interlúdio (Notorious)
1946 – EUA - 101 min. – Preto e Branco – SUSPENSE
Direção: ALFRED HITCHCOCK. Roteiro: BEN HECHT. Fotografia: TED TETZLAFF. Montagem: THERON WARTH. Música: ROY WEBB. Produção: ALFRED HITCHCOCK, para RKO.

Elenco: CARY GRANT (T.R. Devlin), INGRID BERGMAN (Alicia Huberman), CLAUDE RAINS (Alexander Sebastian), LOUIS CALHERN (Paul Prescott), LEOPOLDINE KONSTANTIN (Anna Sebastian), REINHOLD SCHÜNZEL (Dr. Anderson), MORONI OLSEN (Walter Beardsley), IVAN TRIESAULT (Eric Mathis), ALEX MINOTIS (Joseph) e WALLY BROWN (Sr. Hopkins).


Trailer Original:


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À Meia Luz

8 comentários:

Robson Saldanha disse...

Eu sou um pseudocinéfilo, nunca nem sequer vi um filme de ALFRED HITCHCOCK. Mas isso um dia muda, irei conferi-lo sem falta!

Red Dust disse...

Outra obra-prima de Hitchcock. Cá por Portugal com o título de 'Difamação'. Recomendo a todos.

A minha classificação: 9/10.

Miguel Andrade disse...

A primeira grande fase de Hitchcok em Hollywood! Esse é aquele do cafezinho brasileiro, né?

Marcel Gois disse...

Os únicos filmes do Hitchcock que eu assisti foram "Psicose" e "Janela Indiscreta", esse último tenho até texto pronto pro blog, inclusive. Em breve posto lá. =D
Mas vlw pela dica, fiquei curioso.

Pedro Henrique Gomes disse...

Esse é um dos clássicos que tenho anotado na minha lista de filmes a ver. Em breve o farei.

Abraço!

Anônimo disse...

Clássico absoluto! Bom conhece alguem que tb tenha assistido! =D

Alias, gostaria de divulgar um novo blog sobre séries e filmes!

http://cinefilando.blogspot.com/

Já relacionei o seu blog lá:)

Abraço!

Anônimo disse...

Não cheguei a ver esse filme.
Do Hitchcock só vi Janela Indiscreta, Ladrão de Casaca, Um corpo que cai, Os Pássaros e Frenesi.

Anônimo disse...

Robson, está perdendo seu tempo. Hitchcock é diretor obrigatório para qualquer cinéfilo. Um dos maiores mestres do cinema, deve ser visto sempre. Uma dica: comece por "Psicose", um de seus mais famosos títulos. Abcs

Red, como a maioria de Hitchcock, mais uma obra de arte.

Miguel, isso mesmo. Primeira grande fase de seu cinema em Hollywood.Abcs

Pedro, assista mesmo. Vai gostar.

Louis, valeu. Trata-se de grande cinema. Já o tinha visto. Fiz uma revisão. Já está adicionado.

Ibertson, recomendo muito. Abcs